As coisas vão mudando depressa. Tão depressa que quando dou por mim sinto que o perco a cada dia a uma velocidade galopante. É assustador. Hoje queria uma chave. A chave que lhe permitia abrir o portão e simplesmente sair. Já há muito tempo que ele vive prisioneiro da doença não podendo livremente ausentar-se nem que seja para ir até ao café mais perto. Sabe ir mas não sabe depois voltar e perde-se. O medo tomou conta de nós e por amor tomamos-lhe a liberdade. Arrancamos um dos maiores privilégios de quem é são: ser livre. Ele sofre pela clausura e pede-me para o ajudar.
Fui surpreendida em casa por ele. Estava à minha procura para ter uma aliada num esquema de fuga que ele tinha montado e já estudado diversas vezes. Vinha para me contar o plano e po-lo em prática. A estratégia era simples: eu fingia que ia com ele ao café, pedíamos a chave à minha mãe para sair e fazíamos uma cópia. Ao explicar-lhe que isso não seria possível porque a mãe iria zangar-se comigo, vem-lhe outra ideia: "Já sei. Falas com teu marido e aí já ela não te pode por as culpas!!". Expliquei-lhe como se faz a um menino que mesmo assim ela me culpabilizaria a mim porque ela iria perceber que tinha sido eu a dar a chave a ele... Ele fica a pensar uns minutos na forma de contornar este problema e diz todo orgulhoso: "Tenho uma ideia. Pedimos a um estranho qualquer para nos fazer esse favor. Ele faz a chave, eu pago-lhe e ela não fica sequer a saber que temos uma chave! E assim saímos sempre que quisermos e ela não sabe". Tinha um ar triunfante no rosto sem perceber que nada daquilo fazia sentido. Olho para ele com ternura, como se olha para alguém indefeso e frágil, e com carinho combino que vou pensar na proposta e que depois veríamos juntos uma solução. Contenho a emoção impedindo que ele veja as lágrimas que entretanto teimavam em cair vendo-o partir pelo jardim até sua casa. Como se explica a alguém que se ama que temos de lhe castrar a liberdade para sempre porque o amamos e não queremos que nada de mal lhe aconteça?