Muitas pessoas afirmam que se voltassem atrás no tempo fariam tudo igual. Eu não! Não acredito sequer que essa afirmação seja sincera. Todos nós temos episódios de que nos envergonhamos, que nos revoltam, que se pudéssemos arrancávamos de dentro de nós. Aquelas coisas a que eu chamo de nódoas e não memórias ou experiências. Eu tenho algumas.
A pior nódoa da minha vida aconteceu há já alguns anos quando num ginásio, e por insistência da minha amiga, acabamos por trocar umas palavras. Não me vislumbrei. Nunca me vislumbro só porque alguém tem um palmo de tudo. Mas foi claro o interesse que vinha dele e acabei por aceder a um convite para assistir a uma das suas aulas. De conversas em conversas foi-se cimentando uma amizade que se transformaria mais tarde em algo mais. Dizia gostar de jogos de sedução e mal sabia eu que era um jogador tão bom que nunca parava de jogar... comigo e .... com o resto do mundo! Dominava o jogo das palavras também. Sedutor nato, era impossível não ver que todo o mulherio se rendia aos seus pés, dispostas a tudo. O meio profissional em que se movia propiciava tudo isso. E eu, não via mal nenhum em nada. Confiava na inocência angelical que lhe transbordava dos olhos cândidos de menino que não comete pecados. Era impossível ver fosse o que fosse tamanha era a minha cegueira. Os sinais no entanto andavam por ali: a forma como envolvia as outras na discoteca quando lhes dirigia a palavra era em tudo semelhante à minha... o facto de nunca ligar senão com número privado... aqui e acolá um aviso das "outras" vítimas que eu descurava porque ele dizia serem pessoas invejosas , que por despeito tentavam interferir na nossa relação. Dizia-se vítima da maldade humana e eu acreditava... Genial!
O tempo foi passando e por entre cenas de ciumes pelos homens que na sua frente mostravam o seu interesse em mim, e promessas de que "depois da tempestade viria a bonança" e "quem espera sempre alcança", fui-me deixando estar ligada àquele imbecil acreditando que estava a construir alguma coisa. E eu, consciente que um homem ainda casado tinha mesmo de preservar a sua donzela até ter o processo de divórcio concluído, achava lindo esta preocupação em não avançar com uma coisa sem terminar a outra. Eu mesma lhe tinha dito isso! Pois. E ele que provavelmente vinha lançado para outra coisa, jogou comigo de forma diferente de todas as outras porque eu impus essa regra logo no início!
Com ajuda preciosa da minha amiga, fiz cair aquela máscara. Completamente dominada pela raiva, procurei-o onde sabia que ele não me podia escapar e tirei-lha! Por trás estava um rosto monstruoso de alguém sem carácter, sem pudor, maquiavélico, manipulador, mentiroso e mau! Trémulo, mal conseguia pronunciar palavras atónito pela minha descoberta! Narcisista e adepto do culto do corpo, nunca pensou ver tanto despreza no olhar de uma mulher! Fatal para quem se ama tanto e tanto faz para que todas o amem! À pergunta "Porquê?" responde-me: não fui eu que te procurei, eu apenas estava...! A gota de água para quem ainda acreditava poder haver pelo menos alguma humanidade naquele ser. Vou ter de viver para o resto da minha vida com esta nódoa sem a puder limpar.
A verdade, é que há gente que monta cenários, encena o teatro e representa sem escrúpulos para arrancar puros sentimentos. Não sabem viver sem representar e andam uma vida a enganarem tudo o que mexe à sua volta e a si próprios.
A mentira, é que acabamos por sentir algo nobre por seres que não existem senão no nosso imaginário criado através das palavras manipuladas, de comportamentos estudados ao pormenor, para iludir todos que o rodeiam. São lagartos vestidos de gente que não passam de nódoas na humanidade.