domingo, 17 de fevereiro de 2013

A VERDADE DA MENTIRA

Muitas pessoas afirmam que se voltassem atrás no tempo fariam tudo igual. Eu não! Não acredito sequer que essa afirmação seja sincera. Todos nós temos episódios de que nos envergonhamos, que nos revoltam, que se pudéssemos arrancávamos de dentro de nós. Aquelas coisas a que eu chamo de nódoas e não memórias ou experiências. Eu tenho algumas. 

A pior nódoa da minha vida aconteceu há já alguns anos quando num ginásio, e por insistência da minha amiga, acabamos por trocar umas palavras. Não me vislumbrei. Nunca me vislumbro só porque alguém tem um palmo de tudo. Mas foi claro o interesse que vinha dele e acabei por aceder a um convite para assistir a uma das suas aulas. De conversas em conversas foi-se cimentando uma amizade que se transformaria mais tarde em algo mais. Dizia gostar de jogos de sedução e mal sabia eu que era um jogador tão bom que nunca parava de jogar... comigo e .... com o resto do mundo! Dominava o jogo das palavras também. Sedutor nato, era impossível não ver que todo o mulherio se rendia aos seus pés, dispostas a tudo. O meio profissional em que se movia propiciava tudo isso. E eu, não via mal nenhum em nada. Confiava na inocência angelical que lhe transbordava dos olhos cândidos de menino que não comete pecados. Era impossível ver fosse o que fosse tamanha era a minha cegueira. Os sinais no entanto andavam por ali: a forma como envolvia as outras na discoteca quando lhes dirigia a palavra era em tudo semelhante à minha... o facto de nunca ligar senão com número privado... aqui e acolá um aviso das "outras" vítimas que eu descurava porque ele dizia serem pessoas invejosas , que por despeito tentavam interferir na nossa relação. Dizia-se vítima da maldade humana e eu acreditava... Genial!

O tempo foi passando e por entre cenas de ciumes pelos homens que na sua frente mostravam o seu interesse em mim, e promessas de que "depois da tempestade viria a bonança" e "quem espera sempre alcança", fui-me deixando estar ligada àquele imbecil acreditando que estava a construir alguma coisa. E eu, consciente que um homem ainda casado tinha mesmo de preservar a sua donzela até ter o processo de divórcio concluído, achava lindo esta preocupação em não avançar com uma coisa sem terminar a outra. Eu mesma lhe tinha dito isso! Pois. E ele que provavelmente vinha lançado para outra coisa, jogou comigo de forma diferente de todas as outras porque eu impus essa regra logo no início!

Com ajuda preciosa da minha amiga, fiz cair aquela máscara. Completamente dominada pela raiva, procurei-o onde sabia que ele não me podia escapar e tirei-lha! Por trás estava um rosto monstruoso de alguém sem carácter, sem pudor, maquiavélico, manipulador, mentiroso e mau! Trémulo, mal conseguia pronunciar palavras atónito pela minha descoberta! Narcisista e adepto do culto do corpo, nunca pensou ver tanto despreza no olhar de uma mulher! Fatal para quem se ama tanto e tanto faz para que todas o amem! À pergunta "Porquê?" responde-me: não fui eu que te procurei, eu apenas estava...!  A gota de água para quem ainda acreditava poder haver pelo menos alguma humanidade naquele ser. Vou ter de viver para o resto da minha vida com esta nódoa sem a puder limpar. 

A verdade, é que há gente que monta cenários, encena o teatro e representa sem escrúpulos para arrancar puros sentimentos. Não sabem viver sem representar e andam uma vida a enganarem tudo o que mexe  à sua volta e a si próprios.

A mentira, é que acabamos por sentir algo nobre por seres que não existem senão no nosso imaginário criado através das palavras manipuladas,  de comportamentos estudados ao pormenor, para iludir todos que o rodeiam. São lagartos vestidos de gente que não passam de nódoas na humanidade.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

PRECONCEITO GERA CEGUEIRA



Apesar de todas as adversidades orgulho-me do meu percurso. Não sou o que sou por acaso. E para mim, pouco importa se estou numa secretária ou visto uma bata. O que importa é a dignidade com que luto e trabalho. Mas há seres vivos que não são assim e por estarem num determinado lugar num cargo que julgam importante, se comportam como imbecis. Descobri que quando não vestimos fato somos invisíveis para alguns. E é vê-los a pavonearem-se de um lado para o outro ignorando quem veste a bata, deitando de vez em quando apenas um olhar de desprezo por quem faz do seu dia, um dia mais limpo e saudável.

Estas criaturas não sabem mas este conceito de inferioridade é típico de mentes pequeninas e mal formadas. Ninguém é mais importante que ninguém e todos de forma equitativa precisamos uns dos outros: precisamos dos professores para ensinarem os nossos filhos, mas também das auxiliares que tomam conta deles na escola; precisamos dos médicos para nos curarem mas também das enfermeiras e auxiliares para nos cuidarem; precisamos dos engenheiros para desenhar as construções mas também dos trolhas para as executarem! E provavelmente, de toda a importância atribuída, sentiremos sempre mais falta do padeiro se deixar de cozer pão, do empregado camarário se deixar de levar o lixo do que um deputado que falta ao plenário no Parlamento. No entanto, há quem entenda que valemos pelo que auferimos... 

Quando sinto essa discriminação na pele, sorrio para a ignorância de quem se julga melhor cotado. Tenho pena, muita pena da pobreza de espírito dos que se emocionam com a Lista de Shindler mas que discriminam pelo status profissional. Que se elevam a um nível tão alto que não vêm o quão próximo pode estar a queda...

Eu já estive dos dois lados mas é neste que me sinto melhor pela nobreza que é cuidar dos outros. Gosto do terreno, do contacto com os mais fragilizados. E se a vida deu uma grande volta, ela não fez mais do que ajustar os ponteiros para o lado certo. 

Cuidar dos outros realiza-me não importa se pelo caminho me torno invisível aos olhos de muitos humanos...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

CIDADE SEM ALMA

Era uma cidade cheia de cor e de vida. Ruas cheias de cidadãos apressados, a fazer compras, trabalhar ou simplesmente, passear. Às terças e sextas,  dias de mercado, o reboliço aumentava com as vendedeiras na beira das ruas entoando o seu pregão um pouco por toda a parte. Os dias de feira pareciam de festa e não faltava gente. O mercado era mesmo ali, no coração da cidade, e por isso em todas as ruas florescia o comércio com inúmeras lojas de tudo e mais alguma coisa...

Mas roubaram a alma à cidade. Como quem brinca aos legos, os autarcas que por lá passaram,  foram ditando sentenças de morte: o mercado saiu do centro, as ruas foram fechadas ao trânsito, outras ao estacionamento.  E como se isso já não fosse suficiente, autorizaram um shopping colado à avenida... Os efeitos estão à vista: com mercado longe afastaram-se clientes, com ruas sem estacionamento também. Sem alternativa aos parques pagos, pagar por pagar, fazem-se as compras no shopping, que está logo ali, e onde numa superfície só, encontramos tudo o que precisamos, sem gastar muito tempo.

E assim, em poucos anos, o coração da cidade deixou de bater e quem por lá passa não mais vê senão lojas fechadas, algumas mas poucas pessoas a circular.   Um cenário tenebroso e assustador para quem já viu a cidade com tanta vida.

A cidade ficou à mercê dos exterminadores que mataram as artérias de um coração já moribundo levando ao último suspiro aquela que outrora resplandecia de beleza e vitalidade, enchia ruas e esplanadas.

Levaram-lhe a alma e sim, Viana fica no coração, mas daquele que a visita, porque o dela já sucumbiu.

 







sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

FILHA DO CORAÇÃO

Recordo-me como se fosse hoje, a chegada dela na minha vida. Pequenina, olhos grandes, cabelos compridos com cachos nas pontas, ao colo do pai. Era linda. Uma boneca. Não sabia ainda como iria ela reagir à minha presença, mas um sorriso tímido esboçado por trás da cabeça do pai fez-me antever que nos iríamos dar bem. Inesperadamente, voltei às fraldas sob o espanto dos amigos e colegas de trabalho. Ninguém entendia o meu empenho, nesta nova fase da minha vida e perguntavam-me como é que eu conseguia criar filhos dos outros. A resposta era tão simples. Se sou eu que a crio ela também é minha.

Nunca revelei, a menos que fosse necessário, o segredo e divertia-me quando ela ía comigo para a empresa e os clientes diziam: " Não pode negar que ela é sua filha... é tal e qual a cara da mãe..." Levava-a para todo o lado comigo sob a admiração de todos quanto acompanhavam esta mudança,  que a viam ao meu colo, sempre enrroscadinha. Sabia porém que um dia teria de lhe contar as suas origens e sem querer ocupar o lugar de ninguém, fiz questão que esse dia chegasse assim que ela tivesse idade para entender. Percebi a perturbação no olhar dela certo dia ao olhar para o cartão de identidade e imaginei a confusão naquela cabecinha. Entendi também as tempestades que dali saíram quase como uma revolta escondida e inconsciente por achar que não pertencia ali... O conflito interno de quem pensa que aquilo que pensava seu, ter deixado de o ser de um dia para o outro. Com o tempo fi-la entender que independentemente de quem de novo entrasse na vida dela, eu seria sempre a "mãe" do coração, ali para ela, sempre que ela assim o quisesse. Não importa quantas mães a vida nos dá, importa é o amor que recebemos de cada uma. 

Para mim pouco importa como ela chegou à minha vida. Sinto-a minha, muito minha. Educo-a com a mesma paixão que o fiz pelos meus outros dois filhos, sem diferenças. Posso não lhe deixar nenhum legado genético mas terá os os meus valores, os meus ensinamentos, a minha  educação mas sobretudo a minha forma de amar.

Imaginei durante muito tempo o que estaria ela a sentir por mim depois de saber quem era. E inesperadamente a resposta veio, quando num certo dia ela me diz ao deitar: "Mãe, não deixes que me levem nunca daqui. Se um dia isso estiver por acontecer, por favor mãe, luta por mim. Não me deixes ir... quero ficar contigo!" Foi difícil conter a emoção. Ela estava a dizer-me o quanto me amava e eu ali sem saber o que dizer. Respondi:" Não te preocupes filha, se é essa a tua vontade, lutarei por ti sim! Sabes que sim! Nunca o fiz, mesmo quando me diziam para o fazer,  nos piores momentos, para te deixar com a avó em Lisboa, por isso não o farei agora."        

As pessoas comuns não entendem porque não sabem o que é amar. Pensam que sabem porque se apaixonam, porque amam seus próprios filhos. Mas amar o que é nosso é natural, é quase orgânico logo não tem ciência nenhuma. Saber amar vai muito além dessa fronteira. É amar incondicionalmente o próximo e tratá-lo como se fosse um pouquinho de nós. 

Assim é meu amor pela minha filha do coração.