Os meus pais acabavam de chegar de um fim de semana com os CEO da Cimpor. Meu pai vinha radiante, não só pelo convívio mas sobretudo pelo que ouvira: os dirigentes daquela empresa tinham enaltecido veemente o meu desempenho na direcção da nossa empresa. Ele não cabia em si de contente e de orgulho. E eu, surpreendida por tamanhos elogios, também fiquei feliz por ver meu trabalho reconhecido.
Porém, na semana seguinte, de regresso da casa do meu avô, meus pais com semblante carregado, perguntavam-me, como que a medo, se a empresa estava tecnicamente falida!! Sim, tal e qual, com estas palavras! Em choque, pergunto de onde tinha vindo tamanho disparate. E claro tal como um bom boato que se preze, ninguém sabia dizer de onde vinha! Apenas se sabia que era meu avô o portador da tão aterrorizante notícia! Em poucos minutos, tentei tranquilizar meus pais explicando o absurdo daquele comentário com factos e de imediato disse-lhes que convocaria uma reunião com o contabilista para pôr tudo e pratos limpos e que não receassem de nada. Que veriam com seus próprios olhos que nada daquilo tinha fundamento... Mas o certo é que do medo e da dúvida, já não os livrava. Meu pai, que confiava cegamente na minha gestão estava pela primeira vez com dúvidas e receios... e eu revoltada, começava o meu trabalho de investigação á procura do autor da triste brincadeira.
Não demorou muito até o veredicto chegar ás minhas mãos, até porque quando estamos a lidar com pessoas pouco inteligentes, facilmente chegamos ao rasto deixado pelas maléfilas línguas... Lembrei-me que já por diversas vezes o contabilista do meu pai, um profissional com imensas limitações de formação básica, me perguntava se a empresa andava bem. Pergunta a qual eu estranhava pois sendo ele contabilista, tinha em seu poder a informação necessária. Porém, percebi que o senhor, depois de termos contraído o nosso 1º empréstimo bancário, no balanço, os activos eram inferiores aos passivos... Um mistério que facilmente desvendei quando descobri, em análise pormenorizada ao balanço analítico, que esse senhor não tinha contabilizado 20 000 m2 de terreno, propriedade da nossa empresa. Ou seja, tínhamos andado até àquela data a laborar em cima da atmosfera! Ora, se os activos não estavam todos no balanço... estavamos realmente com a aparência (no papel) de uma empresa tecnicamente falida...
Descoberto de onde tinha saído a informação, faltava chegar ao responsável pela transmissão ao meu avô! E se a primeira fase foi fácil lá chegar, a segundo muito mais!! As únicas pessoas de família que partilhavam o mesmo contabilista era o único irmão do meu pai que se encontrava em Portugal. Para que não restassem dúvidas confrontei o contabilista e disse-lhe declaradamente que sabia que a informação, apesar de a negar, tinha saído daquele escritório porque até as palavras usadas eram as mesmas que ele tinha usado. Mais ainda, o mesmo senhor, nas nossas reuniões, fazia o mesmo com meus tios, contando-nos as trapalhadas que eles tinham com o fisco, da falência fraudulenta à firma criada com ajuda do meu pai e que estava a ser investigada... Enfim, se ele transmitia o que sabia dos meus tios... também o faria connosco! Óbvio!
Os meus tios, ao saberem das minhas acusações, indignaram-se, coitaditos ao ponto de mandarem recados de que não sabiam nada do assunto... Que tinha sido uma tia em França. Claro... pura idiotice e malabarismo de distracção.
Mesmo depois de tudo provado, meu pai nunca mais foi o mesmo. Sentia nele insegurança que por muito que tentasse, não conseguia lhe aliviar o medo. Meu pai estava diferente. Até ao dia que por doença, resolveu vender a empresa. Pensava ele, que a empresa valeria pouco no estado em que diziam estar e mesmo querendo acreditar muito que eu é que estava certa, só quando viu a proposta de venda que eu lhe arranjei é que tomou a verdadeira dimensão do boato que nos tinham criado! Ela valia milhões!! Surpreendido disse-me: "ela vale isto tudo?!!!" Ao que eu respondi: "Vale muito mais, pai. Esta é a 1ª proposta, se esperares, tenho outra proposta para o dobro!". Mas meu pai não quis esperar por mais negociações... e vendeu aos espanhois radiante por ter feito o negócio que nunca imaginara!
Apesar dos danos irreparáveis que este boato nos fez passar, fico feliz por, antes de perder totalmente a memória, meu pai ter tido tempo de ficar com este sentimento resolvido dentro dele, radiante por constatar que nunca teve uma empresa falida e recuperar a confiança inabalável que sempre teve por mim.
Os boatos deviam ser criminalizados como tantas outras coisas, pelos danos sérios que provocam na vida das pessoas. Jamais esquecerei o quanto me abalou a vida, assim como jamais perdoarei as pessoas que o criaram.
Os boatos deviam ser criminalizados como tantas outras coisas, pelos danos sérios que provocam na vida das pessoas. Jamais esquecerei o quanto me abalou a vida, assim como jamais perdoarei as pessoas que o criaram.