Já ouvi tantas pessoas a lamentarem-se sobre as mudanças no companheiro. A recordarem os momentos de namoro em que se entendiam na perfeição. Mas as pessoas não mudam. O que muda são as circunstâncias em que esse amor passa a existir depois de se juntarem. Enquanto namorados não temos preocupações conjuntas senão em amar, amar muito. Em fazer de cada momento, um momento feliz, agradável e inesquecível. Preocupamo-nos com todos os pormenores e não descuramos de nada porque sabemos que precisamos de agradar, de despertar desejo e paixão. Imaginação não nos falta nem mesmo motivação porque os problemas que possam existir ficam sempre à porta, e não os deixamos entrar nem por um segundo naquele universo só dos dois. Como se não quiséssemos manchar os poucos bocados bons da vida passados junto do nosso amor. E se levamos alguns para partilhar em busca de apoio e conselho, somos abraçadas pelo companheirismo dele que nos ouve, nos orienta e até se emociona com a nossa dor...
Quando o casamento acontece, os cenários mudam. E como a maioria dos príncipes de hoje vêm a pé, a realidade passa a por-nos à prova num palco que nunca pisamos. A coabitação diária começa a revelar pequenos hábitos de cada um: mau humor matinal, meias pelo chão, osciosidade.... Depois virão os filhos que apesar de muito desejados e amados, retiram privacidade e tempo de dedicação ao nosso companheiro, alteram projectos de vida, hábitos, colocando temporariamente o casal em segundo plano. Depois virá também a rotina, a boa e a má: a que nos põe um sorriso todos os dias por acordar ao lado de quem amamos e a que nos transporta para um dia a dia sempre penoso e igual de trabalho por muito que gostemos do que fazemos. Do cansaço, da monotonia. Se a isto tudo se juntar ainda dificuldades financeiras pela perda de emprego, o nível da prova aumenta de tal forma que muitas são os que não conseguem sobreviver à maratona desfalecendo antes de atingir a meta.
A vida a dois é como peças de dominó colocadas cautelosamente, uma por uma, mas que basta um ligeiro toque numa delas para tudo ruir. Há quem consiga sabiamente, na derrocada, impedir que todas as peças caiam. Há quem consiga, mesmo com algumas peças caídas, prosseguir. Há quem ainda, mesmo com tudo no chão, consiga ressurgir e reconstruir de novo. Tudo dependerá do amor que os uniu. Porque há amores sólidos, capazes de ultrapassar obstáculos duros e há amores que não resistem sequer ás alterações físicas da idade...
Os cenários da vida revelam-nos. Não nos mudam. E ter consciência disso é meio caminho andado para uma união feliz. O grau de sucesso dessa mesma relação dependerá depois do que descobrirmos: ou bem que gostamos do que ela nos revelou, ou bem que nos desiludimos profundamente.
As pessoas não mudam, revelam-se.