segunda-feira, 1 de abril de 2013

OS MARIDOS DAS OUTRAS

Casei cedo e divorciei cedo. E assim, logo que recuperei a minha liberdade, durante mais de onze anos, não quis saber de compromisso sério com ninguém. Não fechei as portas ao amor e apaixonei-me de novo mas sempre num conceito muito próprio: tua casa, minha casa. Simples. Não estava preparada para repetir erros terríveis a que vivi aprisionada. Por isso, dali em diante vivi a vida com paixão e despreocupação. 

Foi o período das descobertas. Se por um lado o casamento precoce me tinha roubado a experiência, caminhar sozinha depois do divórcio ensinou-me coisas que nunca vira nem imaginara. Trazia ainda a pureza de quem não vê maldade no Mundo. Tinha acabado de travar a maior luta da minha vida pela minha felicidade e acreditava nas histórias de amor com finais felizes... Acreditava... porque hoje acredito na felicidade a meio termo, como algo nunca completo, nunca acabado. E por culpa talvez do que os meus olhos viram e sentiram durante este período de tão grande aprendizagem.

Frequentava a Leitaria todos os dias, local de eleição das minhas manhãs onde os croissants eram os melhores do mundo. Um pequeno local, sempre apinhado de gente, cujos os rostos nos foram tornando familiares. Foi dali que o vi pela primeira vez. Fazia-se sempre acompanhar da esposa  e muitas vezes se lhes juntava as cunhadas também. Um grupo sempre animada que não passava despercebido. Ele, sempre atencioso à sua bela esposa, fazia desviar olhares pela beleza do carinho que lhe transmitia. Dei por mim muitas vezes a pensar que adoraria ter um amor assim... 

Um dia descobri outro lugar comum: a oficina. A esposa, alta e esbelta, aparecera na mesma oficina de que era cliente para aí deixar o carro para uma lavagem. Até que um dia, em vez dela, surge o marido. Numa conversa trivial, enquanto esperava pelo meu carro, dirige-me a palavra. Nem me lembro do que terá dito ou perguntado de tão banal que foi. Lembro-me isso sim, que daí em diante, era sempre ele que levava o carro à oficina... 

Passou a ser um conhecido, com uma conversa inteligente e agradável. E desde então, sempre que me via "roubava-me" um café por uns minutos de conversa. Nunca vira mal nenhum, nem intenção disfarçada naquela simpatia. Afinal, não podem mulheres terem amigos homens? Poder podem, mas descobri mais tarde que esse, não é privilégio de todos... Os cafézinhos tornaram-se frequentes sem que eu visse maldade nisso, e parecendo ser uma pessoa extraordinária, comecei a ficar à vontade para confidenciar coisas como por exemplo, a grande crise que abalava naquela altura a construção civil e os problemas que estava a causar á minha empresa. Atento, e sem eu lhe pedir fosse o que fosse, ofereceu-se para ajudar. Também ele tinha uma empresa e consequentemente muitos conhecimentos que me poderiam abrir portas a um empréstimo que naquele momento era vital. Combinamos o dia e fomos juntos tratar desse assunto de trabalho. Pensava eu... De facto levou-me até um gerente de banco e de facto estivemos a falar de trabalho, mas no regresso, a conversa começa a adulterar-se , virando-se para outros assuntos bem diferentes. Diz-me que se sente atraído por mim e não aguenta mais... E eu aterrorizada, no carro, sem saber o que fazer, apelava a seu bom senso, suplicando para não misturar as coisas. Em vão. O carro em vez de seguir o seu destino desvia-se. Em silêncio tento não entrar em pânico, demonstrando uma calma inexistente. Acreditando estupidamente que não era aquilo que eu pensava que era, entrei no elevador. Tinha dito que vinha ali buscar uns documentos, que subisse para não esperar muito no carro, e que tomaria um café enquanto isso. Mas assim que me sentei no sofá, invadiu-me com abraço forte na tentativa de um beijo roubado. Inesperadamente levanto-me, sob o espanto dele, e exijo que me leve de volta. Mas o desespero de me querer naquele momento levou-o a insistir, obrigando-me a soltar-me com brusquidão. Felizmente para mim, entendeu e largou-me naquele instante. Em silêncio regressamos à cidade.

Nunca mais voltei à Leitaria, nunca mais voltei àquela oficina. Saí de cena. Voltei a vê-lo anos mais tarde, ao longe, sem que ele desse por mim. Sempre com a esposa, sempre tão amável e gentil com ela. Aprendi que a felicidade pode ser apenas uma ilusão e que muitas de nós jamais saberemos o que deveríamos saber. Que estes episódios não param de acontecer debaixo da cegueira de muitos.  E o pior foi constatar que não são casos isolados: depois deste, juntaram-se, infelizmente, mais uns tantos casos de gente que gosta de estar em dois lados sem estar verdadeiramente em nenhum.




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