O telefone nunca tocou. Fosse de amigos, fosse de familiares. Na casa dos meus pais o silêncio daquele aparelho fez-se sentir por toda a quadra natalícia. Ninguém desejou boas festas ao meu pai. Houve quem se justificasse dizendo"gostava mais do Manel como ele era antes..." Está certo. A demência de facto é uma grande seca. As pessoas dizem coisas sem nexo, não se lembram de nada, das pessoas, não têm uma conversa fluente.
Meu pai tem seis irmãos mas vive como se não tivesse nenhum. Longe vão os tempos em que, por ter muito para dar, não o largavam. Gostava de saber por onde andam aqueles que meu pai tirou da construção civil e das limpezas em França. Aqueles que tanto rogaram para que lhes dessem um emprego cá na empresa que ele já possuia... Onde estão esses irmãos a quem ele pôs bem na vida com o negócio da galinha dos ovos de ouro?
Não estão. Já lhe fizeram o luto. Se ele está demente porque razão vão estar eles a fazer companhia a alguém que não se lembra deles? Porém, como mandam os bons costumes, não faltarão na hora do seu último suspiro e tentarão atropelar-se para estar na primeira fila da igreja. Estarão vestidos a rigor, chorosos por terem perdido um irmão tão querido. A funerária da família não faltará com atenções, mimos e descontos num último adeus ao mais velho da família com uma cerimónia digna de um filme para homenagear aquele que desde pequenino protegeu e olhou pelos seis...
Mas o meu pai mesmo não se lembrando sempre que eu sou filha dele, não esquece a ternura de um abraço, o calor de um beijo e sempre que lhe dou um carinho é vê-lo sorrir de satisfação! A quem o ama, isto basta para sermos felizes ao lado dele mesmo que ele não se disponha para festas, para conversas... mesmo que só queira estar no seu cantinho sossegado a dormir. A quem o ama, vê-lo no seu mundo mesmo que dizendo disparates, mesmo que trocando nomes ou coisas, é tudo o que importa.
Quem o ama vai só para lhe dar um abraço... e quem o ama somos apenas e tão somente... nós.
Quem o ama vai só para lhe dar um abraço... e quem o ama somos apenas e tão somente... nós.
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