sexta-feira, 16 de maio de 2014

VIVI UM CONTO DE FADAS


Estava deprimida. E por muito que ela insistisse, minha amiga não conseguia demover-me da minha intenção de não ir ao festival de Paredes de Coura. Seria até uma experiência única pois nunca soubera o que isso era nem tão pouco tinha experimentado algo parecido apesar de já contar com 35 anos de vida. Mas estava decidida a não ir. Os problemas que me consumiam apenas me motivavam a enterrar-me na minha cama a ver televisão e comer até não poder mais! Estava assim. Sem vontade para nada!  Mas ela tanto, tanto insistiu que acabei por anuir só para lhe fazer a vontade e calá-la de uma vez. De certo modo, entendia o seu desespero em querer animar-me a todo o custo. Era amiga e as amigas fazem tudo para nos verem felizes.

Quando entramos no café e nos juntamos ao grupo de seguranças do festival ao qual pertencia o namorado da minha amiga, vi-o por entre os outros. Calado, com os óculos posicionados ao contrário, por trás da nuca,  participava na conversa pontualmente mas com muito humor sem deixar o ar sério que carregava. Percebia-se a empatia que tinham por ele e eu, discretamente observava-o tentando descobrir o que nele não era ainda visível. Um jantar nessa mesma noite alterou para sempre o percurso de uma vida...

Fulminada por uma atracção sem igual, deixei-me levar pela magia desta experiência ao lado de alguém que parecia ter surgido de outro planeta. Consciente que os contos de fada não existiam, embriaguei-me por este príncipe sem cavalo branco que me fazia levantar os pés do chão sempre que me beijava. Era surreal de tão perfeito que me parecia. Um cavalheiro à moda antiga que abre a porta à sua donzela; que puxa a cadeira para ela se sentar; que interrompe os outros para a deixar falar; que lhe escreve poemas em qualquer lugar; que lhe prepara o melhor repasto que se possa imaginar. Um príncipe de sorriso largo e gargalhada sonora, cheio de humor e alegria de viver. Um louco divertido que tornava cada dia mais hilariante que o outro. Um companheiro sensível incapaz de suportar uma lágrima minha. Um sonhador que idealizava concretizar todos os meus desejos só para me ver feliz. Um sonho de homem!

Mas a vida, ah! essa malvada, tinha de se meter neste conto tão belo e afogá-lo em problemas e dificuldades. Acrescentar doenças e atrocidades. Tinha de vir com suas rotinas e desencontros e transformá-lo em conto de falhas...

Aprendi que os contos de fadas começam sempre bem e aquela parte do "...e viveram felizes para sempre..." é porque somente nos é contada a primeira parte da história e nunca o fim. Todos vivemos contos de encantar quando conhecemos alguém. Todos amamos intensamente aquele que escolhemos para a vida. O resto já não depende só dos protagonistas. Depende da vida.

Será o amor e apenas este que determinará se continuaremos a viver aquela história ou não. Se é de facto uma história com falhas num conto de... fadas que vale a pena ter. Porque um grande amor não se vive no glamour e purpurinas. Vive-se no pó do deserto com a convicção que é o melhor e único lugar no mundo onde queremos estar.






HUMILHAÇÃO



Eram já habituais os "feriados" às aulas. Ou porque os professores faltavam ou porque faltávamos nós. Sabíamos quantas faltas colectivas podíamos dar e então, nós que éramos uma turma de apenas 5 alunos inscritos a todas as disciplinas, não precisávamos de muito esforço para termos "direito" a uma folga forçada.
Naquela noite foi um dia desses. O Zé chegou e disse: " Malta! Não me apetecia mesmo nada ter aula de Psicologia hoje... Vamos dar falta?" Nem era preciso esperar pela resposta porque assim que as palavras mágicas saíram, começámos a correr pela escadaria abaixo, antes que o professor se cruzasse connosco.
Havia ali pertinho um café, já não me lembro do nome, onde costumávamos ir para descontrair. Era pitoresco, não muito grande mas acolhedor. Ali nos perdíamos entre anedotas e histórias que contávamos uns dos outros ou simplesmente divertíamo-nos a descrever este ou aquele professor imitando-lhe os tiques e as condutas. Eram sempre momentos hilariantes e bem passados que não perdíamos sempre que a oportunidade surgia.
Apesar dos meus 18 aninhos, eu já era uma mulher casada. Mas isso, claro, não era impedimento para conviver com os meus colegas de turma. Claro que não! Pelo menos era o que eu pensava... até àquele dia! Estávamos tão compenetrados nas nossas conversas que nem o vimos entrar. Mas a expressão do meu colega à minha frente, que se tornara repentinamente séria, fez adivinhar que algo de errado se passava. Quando ele finalmente diz baixinho: "Vem aí o teu marido", eu que estava de costas para a porta, não vira a expressão que carregava no rosto e por isso, não imaginei sequer o que acabou por acontecer. Assim que me alcançou, agarrou-me com força no braço, obrigando-me a levantar, e num gesto brusco, puxou-me com violência para a sua frente ao mesmo tempo que dizia:"Vamos embora, já!" Todos os olhares voltaram-se para nós enquanto desfilávamos até à saída. E eu, de cabeça baixa, com o braço a doer, saí sem olhar mais para trás...
Fomos em silêncio até ao carro. Um silêncio agonizante que me gelava até à alma. E pelo caminho perguntava-me o que de errado teria feito na minha vida para ter um homem assim. Que homem era aquele para me fazer passar tamanha humilhação? Entrámos no carro. Com o olhar pousado na estrada, o silêncio é subitamente quebrado pela sua voz estridente:" Mulher minha não vai prós cafés! E ficas já avisada! Se te apanho noutra, isto não acaba assim!". Não respondi. Não havia nada para dizer. De que serve argumentar com homens paleolíticos, que não respeitam a individualidade de cada um? Uma neblina húmida apoderou-se dos meus olhos e enquanto as lágrimas tombavam pela face, prometi nesse momento a mim mesma que um dia deixaria de ser humilhada.


terça-feira, 6 de maio de 2014

O MEU NOME É GISELLE SILVA


Podia ter sido só mais uma notícia sensacionalista como tantas outras naquela estação televisiva. Mas o tema prendeu minha atenção. Aquele tema tão familiar fez-me estremecer de curiosidade. Queria saber que destino iria tomar aquela menina. Aquela  que o tribunal determinou que iria viver junto da mãe. A jornalista alertava para as imagens chocantes. E eu congelo ali de olhos fixos a tentar adivinhar o que se seguia. 

Giselle é filha de um português e mãe irlandesa. Apanhada pelo turbilhão das desavenças dos pais pela luta da custódia, a menina tem um desejo que manifesta categoricamente junto da juíza: ficar com o pai. Durante todo o processo é-lhe feita uma avaliação psicológica que determina uma maturidade acima da média para a idade que conta já com 9 aninhos. Deixa vídeos a manifestar o seu desejo. Desenhos, escritos... Tudo aquilo a que ela se pude agarrar para convencer os adultos que a julgam de que não tinha dúvidas. Mas Giselle não tem voz. Não tem vontades. Não tem sequer direitos neste país de cegos e imbecis que mais uma vez avaliam de forma brejeira a vida de um ser. E debaixo de um mandato judicial pai e filha são obrigados a despedirem-se, quiçá para sempre, porque esta parte só a mãe o ditará. É então que no aeroporto, à porta do embarque para a Irlanda, que se ouvem os choros da menina agarrada ao pai em desespero, pedindo-lhe que não a deixe ir. Um nó gigantesco aperta-me a garganta. Não aguento. As lágrimas apoderam-se de mim e lavam-me o rosto enquanto oiço os polícias a avisarem que se ela não fosse teria de ser levada à força!

Há crueldade maior que esta? Que humanidade tem esta juíza ao decretar tal sentença? Que emoções terá ao ver estas imagens como eu? São perguntas que eu gostava de ter oportunidade de lhe fazer... Porque em tempos, eu tive uma menina que viveu uma história idêntica...

A minha filha era demasiado pequena quando eu a perdi para o pai. E demasiado pequena também para dizer com quem queria ficar. Por isso, quando recebi a sentença, apesar de ter recorrido, conformei-me com a decisão. Até porque não tinha qualquer indicação de que ela não era feliz. E quando assim é, cabe-nos a nós que amamos os nossos filhos, deixá-los onde se sentem bem. Mas aos 10 anos ela revela-me a sua infelicidade, ocultada durante imenso tempo. Não hesitei e com armas e bagagens ambas iniciamos uma longa luta para retirá-la dali. Quis o destino que o caso fosse parar às mãos de uma juíza que não descurou uma única prova apensa ao processo. Cartas, desenhos, testes de avaliação psicológica, testemunhos da criança!  Mas sobretudo o mais importante: a vontade da minha filha! 

A Giselle e outras crianças como ela (lembram-se daquela menina de Braga que teve de voltar para mãe biológica, à força na Rússia?)  não tiveram a mesma sorte de verem respeitada um direito tão simples como o direito de escolha. E por isso ficarão com marcas para o resto da vida. Dizem eles, os juízes, que tudo isto é pelo superior interesse da criança... A sério? 

Se estas decisões são para as defender, não quero sequer imaginar o que fariam para as castigar...    

AMBIÇÃO

Aquela frase martelou-me na cabeça como sinos que rebatem efusivamente em dias de festa,: "Tu não tens ambição!" dizia ele. Sabem aquele momento em que temos  vontade de explodir em explicações mas acabamos por nos remeter ao silêncio? Pois foi exactamente isso que fiz: fiquei muda. O desalento tomou conta de mim pela ignorância, ou talvez não, exibida naquelas palavras. Seria ele assim tão distraído em relação ao meu percurso de vida? 

A verdade é que a maioria dos mortais associa a palavra "ambição" somente a poder e dinheiro. E se de facto,  a definição da palavra fosse apenas essa, sem dúvida que não me encaixaria dentro dela. NUNCA! Mas no dicionário lá vem aquela parte em que diz: grande desejo de realizar ou atingir algo - aspiração, e aí eu digo: Bingo! Eu sou a "ambição" personificada! 

Quem conhece o meu percurso de vida ao pormenor sabe a quantidade de metas que procurei atingir e atingi-las a todas com distinção. Não me recordo de nada que tenha ficado pelo caminho por fazer e já tenho lista para os dias vindouros. São desejos que nunca param de brotar e que me dão a adrenalina que preciso para me sentir completa e realizada. Recordo a minha primeira ambição aos 17 anos de ter a minha independência, depois o curso superior, depois o meu primeiro carro, depois a minha primeira casa... aqueles primeiros desejos de quem está no início de uma longa caminhada. Mas hoje estou diferente. A idade madura trouxe-me outro desejo menos palpável mas muito mais ambicioso: ser feliz. Já não me basta ter isto ou aquilo. Quero ser feliz! Aprendi com a vida que esta é a maior e mais temível das ambições porque exige tanto de nós e tão pouco do que nos rodeia. Atrevo-me a dizer que é muito mais fácil ganhar dinheiro, muito dinheiro, do que ser... feliz. 

E lá vou eu em mais uma etapa em que no topo da lista procuro a felicidade do meu "eu", em busca desse encontro de paz e de luz que sei que há em mim.  E ao mesmo tempo que mergulho ao mais profundo do meu ser elevando-o ao êxtase, quero deliciar-me num leito de prosa e letras e fazer delas a minha vida. 

Ambiciosa, eu? Claramente que sim!