Eram já habituais os "feriados" às aulas. Ou porque os professores faltavam ou porque faltávamos nós. Sabíamos quantas faltas colectivas podíamos dar e então, nós que éramos uma turma de apenas 5 alunos inscritos a todas as disciplinas, não precisávamos de muito esforço para termos "direito" a uma folga forçada.
Naquela noite foi um dia desses. O Zé chegou e disse: " Malta! Não me apetecia mesmo nada ter aula de Psicologia hoje... Vamos dar falta?" Nem era preciso esperar pela resposta porque assim que as palavras mágicas saíram, começámos a correr pela escadaria abaixo, antes que o professor se cruzasse connosco.
Havia ali pertinho um café, já não me lembro do nome, onde costumávamos ir para descontrair. Era pitoresco, não muito grande mas acolhedor. Ali nos perdíamos entre anedotas e histórias que contávamos uns dos outros ou simplesmente divertíamo-nos a descrever este ou aquele professor imitando-lhe os tiques e as condutas. Eram sempre momentos hilariantes e bem passados que não perdíamos sempre que a oportunidade surgia.
Apesar dos meus 18 aninhos, eu já era uma mulher casada. Mas isso, claro, não era impedimento para conviver com os meus colegas de turma. Claro que não! Pelo menos era o que eu pensava... até àquele dia! Estávamos tão compenetrados nas nossas conversas que nem o vimos entrar. Mas a expressão do meu colega à minha frente, que se tornara repentinamente séria, fez adivinhar que algo de errado se passava. Quando ele finalmente diz baixinho: "Vem aí o teu marido", eu que estava de costas para a porta, não vira a expressão que carregava no rosto e por isso, não imaginei sequer o que acabou por acontecer. Assim que me alcançou, agarrou-me com força no braço, obrigando-me a levantar, e num gesto brusco, puxou-me com violência para a sua frente ao mesmo tempo que dizia:"Vamos embora, já!" Todos os olhares voltaram-se para nós enquanto desfilávamos até à saída. E eu, de cabeça baixa, com o braço a doer, saí sem olhar mais para trás...
Fomos em silêncio até ao carro. Um silêncio agonizante que me gelava até à alma. E pelo caminho perguntava-me o que de errado teria feito na minha vida para ter um homem assim. Que homem era aquele para me fazer passar tamanha humilhação? Entrámos no carro. Com o olhar pousado na estrada, o silêncio é subitamente quebrado pela sua voz estridente:" Mulher minha não vai prós cafés! E ficas já avisada! Se te apanho noutra, isto não acaba assim!". Não respondi. Não havia nada para dizer. De que serve argumentar com homens paleolíticos, que não respeitam a individualidade de cada um? Uma neblina húmida apoderou-se dos meus olhos e enquanto as lágrimas tombavam pela face, prometi nesse momento a mim mesma que um dia deixaria de ser humilhada.
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