sexta-feira, 27 de junho de 2014

A CULPA É DAS MULHERES


Estava eu muito sossegada a ler uma revista quando deparo-me com um comentário de Fernanda Montenegro,  uma atriz brasileira por quem tenho profunda admiração pela sua longa carreira no teatro e televisão. No artigo a propósito da longevidade do seu casamento, ela explicava que o segredo estava em não tentar mudar a "natureza" do homem. Que homem tem de ser livre, deixar tudo pelo chão e que quem não quer bagunça que case com mulher! Pronto! Estragou tudo! E se o seu percurso profissional continuou intocável, a pessoa por trás deste sucesso, desiludiu-me. Mas alguém no século XXI acredita que é mesmo assim?

O cerne da questão está mesmo aqui: é por a maioria das mulheres pensarem assim que temos os homens que temos. Se é certo que homem na sua origem foi criado para caçar, proteger a família enquanto a mulher cuidava dos filhos e do lar, a evolução do Mundo trouxe novidades aos quais a nossa espécie se adaptou. É tão comum, hoje, ver mulheres a trabalhar fora e com cargos de chefia, como homens a cuidar dos filhos e tarefas domésticas. A libertação da mulher e a proclamação de igualdade de géneros virou do avesso  a rotina familiar aniquilando de vez o conceito de papeis pré-definidos. E sinceramente, ainda bem! Mas quem é que quer viver preso à ideia de que por nascer mulher ou homem já vem programado para ser ou fazer determinadas coisas?

Não é por ter nascido homem que  há desculpas para não participar conjuntamente com sua mulher nas tarefas de casa. Quando se decide viver com alguém, está-se a formar uma equipa, a "convocar" dois jogadores para participar no campeonato da vida. E se queremos marcar golos, sermos os melhores dos melhores, não podemos deixar o nosso companheiro sozinho. Temos de jogar juntos! Já lá vai o tempo em que a mulher ficava em casa por opção. E se bem que, ser dona de casa é um trabalho árduo sem remuneração a que muitas dizem sim sem problemas, outras, com todo o direito para isso, querem abraçar desafios maiores.

A entreajuda é fundamental numa relação. Demonstra amor porque quem ama quer ver o outro feliz. Demonstra respeito porque quem ajuda sabe que o outro não é escravo de ninguém. Em suma, a longevidade dos casamentos não se resume em deixar ser, mas sim, em completar o outro sem o anular, numa caminhada justa e igual na divisão dos deveres. Quando um sente que dá mais do que o outro, o fim está à vista...

Infelizmente as mulheres, que mais se lamentam desta triste sina são as responsáveis por terem os homens que têm. Quando são mães, é frequente vê-las a "pouparem" os meninos das tarefas domésticas, das obrigações de partilha de deveres em casa quer sejam únicos ou tenham irmãs. Educam o rapaz como se fosse um príncipe onde as mulheres lhe devem serventia. É comum vê-los já grandes em casa da mãe com direito a roupa lavada, passada e "limpeza" de quartos. Não movem uma palha. Não percebem que serão eles os futuros maridos de amanhã e que, tal como elas, haverá um dia uma nora infeliz e revoltada.

Ninguém nasce programado. É na educação que  construímos aquilo que somos. E é às mulheres que compete mudar. Mudar a forma de educar os meninos para transformá-los nos homens que desejaríamos ter. Os homens que receberam uma educação completa, tornam-se mais atraentes aos olhos de uma mulher. Porque enquanto os músculos trabalhados agarram por momentos, o espírito de entreajuda, de trabalho e sacrifício agarram por uma vida...  

terça-feira, 17 de junho de 2014

O DESTINO TOCA SEMPRE DUAS VEZES

Há uma linha que separa aquilo que controlamos, daquilo que, por muito que fujamos, acaba por nos alcançar. Falo de destino, sim. . Daquela força quase sobrenatural que nos leva a escolher o caminho  da direita ou da esquerda; que nos faz tomar a decisão errada em vez da certa;  que nos faz aproximar de pessoas malignas e afastar das que nos querem bem; que nos conduz à tragédia ou ao sucesso como se comandasse a nossa vida.

Falo de destino, sim. E não sou eu que quero acreditar nele. Foi a vida que me ensinou que ele, faz parte dela...  Quando me dizem que somos o resultado das decisões que tomamos, pergunto-me: mas eu não escolhi a infelicidade, mas tive-a; eu não escolhi a adversidade, mas encontrei-a; eu não escolhi a tragédia, mas ela procurou-me! Se eu não tomei estas decisões, porque vieram ao meu encontro? Então repassei toda a minha vida até às memórias mais longínquas para ver onde estavam as minhas falhas, aquelas que supostamente eram responsáveis pela vida que tive. E o que vejo? Nada. Vejo apenas alguém que conheceu gente que não devia; que escutou outros que deveria ter ignorado; que cruzou com falsos; tropeçou em malévolos; acreditou em mentirosos. 

Quando olho para trás fico incrédula com a forma como coisas se repetem. A semelhança do que já vivi e de que tanto fugi. Dirão que foi a repetição de um erro. Eu digo não!, foi o mesmo embuste que o  destino me preparou mas embalado de forma diferente. Atenta a tudo que não queria, acabei por obter tudo o que queria de forma avassaladora. Achei que era bom demais mas deixei a modéstia de parte a aceitei esta dávida que pensava mais do que merecida. Abri-me, entreguei-me,  para descobrir mais tarde, muito mais tarde, que tudo não passava de uma brincadeira malvada dum destino que teima em ser cruel.

A vida que temos é o resultado das pessoas que conhecemos colocadas por um destino que não controlamos mas que nos influencia. Ninguém sai pela manhã decidido a morrer, mas morre; decidido a adoecer, mas adoece; decidido a perder um emprego, mas perde-o. Para uns ele será implacável, para outros abençoado. Por muita sabedoria e cuidados será também  o destino que ditará ao longo da vida se, todo o empenho que estamos a colocar na nossa vida nos vai levar onde queremos ou para onde ele nos conduz...  Acredito que tal como a água, o contornamos, o moldamos, o influenciamos com as nossas decisões. Mas ele estará sempre lá e de forma oculta acabará sempre por nos traçar um caminho.  


sexta-feira, 6 de junho de 2014

MEMÓRIAS DE UM COLÉGIO





Tinha 12 anos quando cheguei. Estávamos em 1979 e Portugal à essa época parecia um país subdesenvolvido para quem tinha crescido na América do Norte. Tal mudança poderia ter sido um choque e comprometer um recomeço de vida em terra estranha. Mas o acolhimento caloroso daqueles que conheci neste pedaço de terra solarengo à beira mar  suprimiu  todas as lacunas que aqui encontrei. 

Era o meu primeiro dia de escola e não fazia ideia da escola para onde ia. Sabia que era um colégio, mais nada! E sabia também que era o melhor sítio para se ter um filho a estudar. Vi meus pais ao chegar preocupados em saber onde deixar a filha nesta terra onde o ensino público tinha tão má reputação.  Recordo-me que estava cheia de medo porque donde eu vinha a discriminação era-me bem familiar e se lá me punham de parte por ser portuguesa, cá,  imaginava que fariam o mesmo por ser... canadiana! Mas logo percebi que a alma desta gente, a nossa gente, era tão diferente. Assim que fui apresentada um turbilhaõzinho de miúdos rodearam-me curiosos ávidos de saberem tudo sobre mim. Eu dominava mal, muito mal, a língua portuguesa. Mas nem isso colocou barreiras. Era vê-los a esforçarem-se para serem entendidos mas sobretudo para me ajudarem a comunicar. Assim como muitos momentos divertidos com as expressões que "ajustava" numa tradução directa do francês para o português e que provocavam muitos risos. Há duas palavras que jamais esqueço e que aprendi com eles: o "concordas?" e o "percebes?". O primeiro porque a única palavra similar que conhecia era o avião "concorde". A segunda que só depois de arranjarem o sinónimo "entendes?" fez nascer luz dentro da minha cabeça.   

O colégio era um edifício velho, muito velho onde nalgumas partes havia pedaços de tecto que caiam. A minha sala era no topo da escadaria, no último andar. Pequena, com mesas de madeira que denunciavam a passagem de muitos anos, todas rabiscadas, um quadro de lousa pequeno e uma janela pouco maior que um postigo, contrastavam com a recordação que tinha das salas por onde tinha andado, amplas, cheias de luz, quadros imensos e mesas ergonómicas. Cá em baixo na entrada, à esquerda, era a secretaria. O hall era secular e no topo, a escadaria que nos levava ao primeiro andar. Ali, depois de atravessar um corredor, ao fundo, o refeitório, onde se destacava uma mesa rectangular comprida destinada aos professores, rodeada por outras redondas onde, por grupos de 4, nos juntávamos para almoçar. Recordo dois pratos que nunca comera e que adorava: massa esparguete com frango e rancho. No rés de chão, o ginásio. Pouco maior que uma grande  sala de aula americana,  muito pobre em equipamento desportivo, era lá que em dias de chuva nos reuniamos para a aula de educação física. Quando o tempo o permitia, saltávamos para o exterior onde se encontrava o campo de futebol que só assim o denominávamos por ter duas balizas. Do outro lado oposto, numa pequena área coberta, ainda no exterior, enquanto os rapazes exibiam seus dotes de futuros futebolistas no campo, as meninas deliciavam-se a jogar  handball.  As aulas de trabalhos manuais eram num anexo no exterior. Frio, húmido, aí dávamos vida às nossas criações onde a memória me leva até aos "macramés"  e onde aproveitávamos todos os minutos da aula com entusiasmo para ver nascer a obra.

Vivíamos com intensidade cada dia ali. Não sei se por sermos poucos e a mesma turma nos acompanhar todos os anos até concluir o último grau. Se por não podermos sair quando havia um "furo" impedidos de fugir à sucapa pelo Sr. Amândio, sempre atento às nossas investidas, e sermos obrigados a criar actividades para nos entreter. Daí os cânticos em qualquer canto do colégio, os jogos das prendinhas onde experimentamos os primeiros beijos, as aulas práticas de maquilhagem na casa de banho onde perdíamos horas no espelho a  experimentar visuais novos. Ou simplesmente a conviver na porta de entrada, ali alinhados nos degraus,  para desespero dos padres que não nos queriam ali...  Ah! E os padres, tão únicos e peculiares: o Fonseca que dava aulas de matemática e físico-química introduzindo uma anedota aqui e acolá que nos prendia a atenção só para não correremos o risco de perder as gargalhadas garantidas; o Freire que contava a História com paixão em vez de a ensinar; e até o Miguel que todos temiam por ter mão pesada nos castigos!

Havia naquele lugar algo de mágico, único que sem sabermos ficaria registado dentro de nós para toda a vida. Ficamos eternamente ligados como um cordão umbilical que une mãe e filho, presos por uma  terna lembrança  de um colégio que não se apaga da memória. Um grupo de gente que faz parte de nós... Uma segunda família.

Dedico estes post a todos os meus colegas do Colégio do Minho de 1979