domingo, 29 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - OUTRA RESPOSTA


Cara anónima,

Obrigada pela sua mensagem de paz que muito se enquadra na época natalícia em que nos encontramos. Parece-me no entanto que se enganou no destinatário: a pessoa que descreve não sou eu.

Ao contrário do que afirma, eu não carrego nenhum ódio nem por vós nem por ninguém. Não é, nunca foi e nunca será um sentimento com o qual me identifique, por isso nunca o senti nem sei o que isso é. Agora mágoas e revoltas, sim! Mesmo assim, sou capaz de perdoar, abraçar o inimigo se de alguma forma sentir que há arrependimento. Ainda há pouco tempo dei por mim a contactar alguns descendentes vossos, a pedir perdão nem sei bem pelo quê. Talvez por uma ausência de mais de uma década, por desavenças dos progenitores que eu não queria que afectasse o que sinto por eles. Tive coragem suficiente para lhes dizer que os amava apesar das intrigas dos mais velhos.  

Não sei se pela idade que tem (mais velha que o meu pai), terá já alguma amnésia em relação às minhas presenças nos eventos familiares, eu não sou essa pessoa que apenas apareceu duas vezes. Mas estou disposta a ajudá-la relembrando-lhe que dos 13 anos até aos meus 30, estive inúmeras vezes em quase tudo o que era reunião familiar: fui ao casamento da sua irmã mais nova, da sua sobrinha da 2ª irmã mais velha, de vários almoços na casa da seu irmão mais novo, de solteira e depois de casada, de vários jantares e almoços na casa da sua irmã mais nova, de vários almoços na casa da sua sua irmã do meio quando ela ainda era proprietária do restaurante, de várias Páscoas na casa do seu pai, de vários almoços na casa do seu pai, de imensos jantares na casa do seu irmão do meio, de várias tardes passadas na casa da sua 2ª irmã mais velha, na praia no restaurante do Branco e por fim, na sua própria casa!!!!! Naquela época não havia telemóveis mas tiravam-se fotografias. Eu ainda as tenho. 

Estamos todos muito agradecidos pela festa surpresa que fizeram naquele ano ao meu pai. De facto, deve ter sido dos momentos mais felizes da vida dele. Mas caso não se lembre (você tem grave problema de memória), a dita festa veio com factura agarrada que depois de entregue ao meu pai, ele recusou-se a pagar. E a  fotografia emoldurada na sala dele... fui eu que a tirei e mandei enquadrar. Capturei o sorriso mais lindo e feliz de um homem que admiro e achei que deveria perpetuá-lo para sempre. 

Estive ausente sim, dos funerais dos meus avós: a ele por razões que já expliquei, a ela, com pena minha, por razões de força maior. Se eu tivesse aparecido na despedida do seu pai, acredite que ele até dava voltas na urna. Acredite que seu desejo era mesmo esse: que não fosse. Seu pai demonstrou todo o ódio que sentia por nós numa carta. Por isso, por respeito aos seus sentimentos, não fomos. 

Afirma que as críticas que sofri foram fruto da minha imaginação. Então pegando nessa teoria, terá sido fruto da imaginação de quem mas contou: do seu pai; de sua cunhada; de seu irmão do meio; da minha filha; de alguns descendentes vossos, genros e por fim o ex.. E os factos, que facilmente se podem comprovar ,foram estes: o meu tão badalado e inesquecível divórcio onde TODOS se sentiram no direito de opinar, julgar, criticar e condenar, tendo a sua 2ª irmã mais nova ter dito que "...era má mãe porque uma boa mãe nunca se divorcia quando tem filhos..."; seu irmão mais novo, depois de um episódio´aos 16 anos, queria proibir a filha de se relacionar comigo; mais tarde e já divorciada, sua cunhada, depois de saber que seus filhos passavam muito tempo em minha casa, alertou-os para ter cuidado comigo, manifestando assim seu desagrado por fazer parte das amizades deles;  um episódio em que sua cunhada critica a forma como eu estava a pagar a minha casa; outro que em que afirmavam que tinha provocado a falência técnica da empresa do meu pai... mas há mais, muito muito mais.  

Cara anónima, já reparou que começa por dizer que não se lembram de mim , que nunca me criticaram mas mostra estar a par das últimas novidades da minha vida e pede para suprir a curiosidade de alguns? Sobre isso e todos os momentos por mim vividos falarei sim, num livro que penso vir a publicar. Uma ideia de uma grande amiga que um dia me disse "...tua vida dava um bom livro". A minha vida é de facto um exemplo de coragem, determinação, luta e amor que pode ajudar outras pessoas a sobreviver aos mesmos dramas. Dizem que Deus dá as maiores lutas aos seus melhores soldados... 

Diz que, e passo a citar:"...vê-se que não sabes nada de concreto da família, nem idades, nem profissões, nem conhecimento real das pessoas..." . O que sei ouvi-o do seu pai, irmãos, cunhadas, genros, descendentes e o ex. É para considerá-los mentirosos? Que assim seja, mas aproveite então a mesma borracha para apagar o que alguns destes também disseram a meu respeito...  Quanto ás idades, é verdade sim que passo o tempo todo a enganar-me e troco o irmão mais novo pelo do meio.  Que tem isso de relevante? Altera alguma forma os factos relatados? 

Pede também para que fale da minha vida, mas querida amiga, anda distraída? O meu blogue é autobiográfico. Não falo noutra coisa. Se quis dizer para não falar de vós, tenho pena, mas passaram a fazer parte da minha vida assim que se intrometeram nela. E prometo que falarei toda a verdade, mas tem a certeza que é isso que quer? Como andou muito distraída talvez ainda não tenha percebido que eu sou uma caixa de Pandora. Tem a certeza que quer abri-la? Guardo comigo segredos preciosos de todos vós, outros vividos por mim, como por exemplo o assédio sexual que sofri de 2 homens da família. Quer mesmo que conte esta história e as outras? Percebeu agora porque além de si e a outra irmã, ninguém se atreve a me incomodar?   

Pedia-lhe agora encarecidamente que quando lesse algo meu fizesse um esforço para não deturpar o que digo. Não critiquei ninguém que trabalhava na construção nem nas limpezas. Foi dito que à época, quando meu pai lhes estendeu a mão eram essas as suas condições de vida. Por isso escrevi:.".. fazia limpezas num albergue de prostitutas, um trabalho humilde mas digno!!" Saiba que admiro muito pessoas como ela (eu também sou assim) que quando têm que arregaçar as mangas, desde que sejam trabalhos dignos, agarram o que for preciso! Por isso, não afirme o que não escrevi. Sobre o facto de serem trabalhadoras... permita que corrija: ela SIM; ele NÃO! Sua cunhada é uma força da natureza, extremamente trabalhadora, que se levantava todas as madrugadas o para carregar camiões, horas e horas a fio. Seu irmão é mais adepto dos fatos e gravatas. Vive à sombra dela.  Sobre a seriedade de ambos, vamos deixar isso dentro da tal caixinha... Essa PARTE mexe com os descendentes e quero preservá-los.

E agora um pouco sobre minha biografia: Saiba querida amiga que aos 16 anos ganhei os meus primeiros 50 contos a trabalhar na fábrica do meu pai, nas férias de verão, com um empilhador, a carregar camiões, comer pó e levar a chuva nas bentas!  Depois, aos 17, decidi trabalhar lá a tempo inteiro e estudar de noite. Sempre no duro. Além de trabalhar com máquinas, montei muitas paletes de blocos à mão quando era preciso. Ingressei mais tarde no ensino superior e formei-me sem que meus pais me pagassem uma única despesa. Com 23 anos e já a dar aulas, comprei sozinha o meu primeiro carro, um renault super cinco em segunda mão. Já com curso acabado, assumi a pedido do meu pai a administração da empresa dele. Adquiri uma casa com empréstimo bancário. Paguei-o durante anos. Meu pai, ao querer vender a empresa, disse-me que me pagaria o restante da casa porque eu iria ficar sem emprego e queria aliviar as minhas despesas. Mesmo assim, ao fecho da fábrica, tinha poupanças no valor de 25 000€. Há por aí algum descendente vosso com igual currículo? Sei que se inspirou neles para falar daquela maneira. Mas da próxima vez que ousar falar de mim, documente-se primeiro!  Quanto a não saber o que é viver numa casa pequena... ó meu Deus... essa foi SEMPRE a minha realidade enquanto vivi no Canada. Eram tão pequenas que em 2 delas eu dormia na sala.   

Sobre o meu avô, você não comenta mas comento eu: não retiro uma única palavra ao que disse. Nada do que disse é falso. E sua mãe, a quem vou dedicar um post, confidenciou muita coisa tendo sido ao fim e ao cabo a maior vítima dele.

Não diga que falo sozinha. Escrever é e sempre será um acto solitário que podemos partilhar com outros ou não. Mas basta que haja 1 como vós que o leia para já ser acompanhado... A propósito, informo que por cada post que publico sou lida em média por 100 pessoas por dia... Diga lá outra vez que estou a falar sozinha só para eu me rir... 

E por fim, aqueles 45 membros de uma família maravilhosa de que eu fui excluída são os mesmos que, depois de festas com foguetes, a metade que fica fala mal da outra que parte por causa do esquecimento de alguns em pagar as despesas? Não obrigada. O tempo passou mas desde que me afastei, tanto quanto sei, nada mudou. Amam-se todos muito mas apenas quando se olham pela frente.

Os meus votos para vós são que 2014 vos traga a lucidez necessária para perceberem a futilidade dos vossos argumentos, a mesquinhez dos vossos actos. Que vos abra o coração para os reais valores da vida e transforme as vossas intrigas em amor e dedicação por aquele que sofreu muito até ao fim pelas desavenças parvas dos irmãos e que ajudou alguns a serem o que são hoje: meu pai.

Desejo-lhe a si muita luz na sua vida para sair das trevas por onde caminha, onde a escuridão é tanta que não vê nada do que se passa à sua volta.








        

   


sábado, 28 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - NOVA CARTA ANÓNIMA

Quando criei o meu blogue autobiográfico e depois, dentro deste, o diário dedicado ao meu pai, estava longe de adivinhar o efeito meteórico que ele poderia vir a causar junto de  pessoas que julgava extintas. Isto porque há mais de uma década que não os sentia sequer  respirar...

Se por um lado o reaparecimento através de cartas anónimas me contaminou os nervos, por outro estou radiante: o que conto conseguiu mexer com as suas consciências. Porém, o problema dá-se quando ao lerem, não sabem interpretar o que lêem. Por outro lado sinto que por muito que explique o óbvio, continuarão a procurar nas minhas palavras razões para arremessar pedras  julgando que se trata de um duelo. 

A carta que acabo de receber, também ela anónima e desta vez dirigida a mim não ficará sem resposta e ponto por ponto, item a item, comentarei todas as incongruências. Entretanto adiantei serviço e destaquei o que INEVITAVELMENTE irá ser fortemente contestado, mas com factos concretos. Não basta escrever. É preciso comprovar o que se diz no espaço e tempo. 

Eis o documento:

"Mensagem de Paz"
"Só duas palavras para te tranquilizar em relação ao pensares que fostes criticada pela família do teu pai. Tu apesar de teres laços familiares pelo sangue, nunca mas mesmo nunca, estiveste presente em nenhuma ocasião que a família se reunia. As duas vezes que te vimos foi na festa surpresa que fizemos ao teu pai e outra ao teu tio, festas essas que nenhum deles tinha tido nem nunca voltarão a ter e da qual teu pai guardou uma foto que enquadrou e pendurou em casa(vestido de Napoleão), cadeau da irmã. Tivemos ocasião de o convidar mais vezes para aniversários das irmãs, e era para nós uma alegria ver a felicidade do teu pai, como ria com as brincadeiras improvisadas que temos o hábito de  fazer. Festejamos aniversários de tudo, casamentos, nascimentos, reformas, ou bodas de prata ou ouro, batizados ou simplesmente um jantar de família para nos reunir-mos esquecendo os problemas da vida e rir de tudo e de nada. Nestas festas as pessoas que nunca estavam eras tu e a família do teu tio, o que aconteceu mesmo no funeral da mãe e do pai do teu pai. Mas até mesmo nessas ocasiões nós só podemos sentir a falta de alguém que de uma maneira ou de outra esteve presente nas nossas vidas, caso contrário é como se não existisse e fica completamente esquecida. As críticas que julgas que te fizeram estão na tua imaginação. Não temos tempo para comentários negativos. Quanto à maneira como falas da família do teu pai, vê-se que não sabes nada de concreto da família, nem idades nem profissões nem conhecimento real das pessoas. Eu sempre ouvi dizer, quando alguém fala mal de alguém à para desviar a atenção de si próprio. Se não é o teu caso mas sim porque precisas de falar sozinha, olha, fala da tua vida pessoal. Conta por exemplo, o que tantos curiosos gostariam de ouvir da tua boca, mas a verdade, claro!! Caso contrário, varre esse ódio que tens dentro de ti. Vive a tua vida como quiseres ou o melhor que puderes. Sê feliz!! Quanto à família do teu pai que tanto te incomoda, esquece-a por completo porque deles tu não sabes nada. Eu vivi ao lado deles. Foram pessoas honestas, trabalhadoras que trabalharam na construção como teu pai, as mulheres nas limpezas como tua mãe, tudo profissões honestas e honradas e assim ganharam dinheiro para dar a vida aos filhos que fez com que alguns nunca soubessem o que é sacrificar-se para terem uma casa própria etc. etc. e isso em nada os valoriza. Nunca fizeram limpezas mas também nunca economizaram um tostão, nunca viveram numa casa pequena, mas também nunca conseguiram ter nada sem a ajuda dos pais.  Quanto ao que dizes do teu avô, é sem comentários. Imaginava-te mais inteligente. È pena! Porque esse ódio não te deixa lugar para seres feliz e impede-te de te integrares numa grande família que ainda há pouco tempo contava 45 membros, avós, filhos, netos e bisnetos, várias vezes juntos. Alegria dos avós que viveram até aos 95 anos. Amigos que nos frequentam sabem e podem confirmar, somos 5 irmãos amigos que continuamos a honrar os pais exemplares que Deus nos deu e a quem amamos e respeitamos eternamente. Para ti boa sorte. Vê se consegues reconciliar-te contigo mesma. Sê feliz! Santo Natal."   

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - A RESPOSTA

Cara irmã do meu pai,

A sua carta anónima chegou bem. Porém, como deve compreender foi impossível dá-la a ler ao meu pai. Penso que mais por ignorância que por maldade, esqueceu-se que a doença dele era uma demência. Não faz mal. Eu compreendo. São muitos anos de ausência... 

O meu pai ao contrário do que fala, está numa profunda paz com ele e com o Mundo. Por uma razão apenas: cumpriu exemplarmente a sua missão na vida. Foi bom pai, bom marido, bom irmão e bom amigo de todos sem excepção. Estendeu a mão aos  que lha pediram sem esperar nada em troca. Pelo mal que a sua carta lhe faria, fico aliviada por ele não a poder ler.

Talvez por distracção, escreveu que, e passo a citar, "há erros que se pagam caros". Pois cara irmã do meu pai, saiba que doença não é castigo. As doenças existem para nós como existem para os restantes animais e pergunto: porque razão adoece um cão? É porque fez algo que não devia? Consegue perceber a idiotice que acaba de dizer? Aprenda que, pelo contrário, o karma existe e a vida é um boomerang. Tudo o que damos de bom, recebemos de volta em dobro. Tudo o que damos de mau, volta para nós da mesma forma. Se não souber do que falo, pergunte à sua cunhada, que depois de andar toda a vida a afiar a língua para prejudicar os outros, tem um karma que não a deixa dormir descansada para o resto da vida. O único erro grande do seu irmão foi querer ser amigo de todos os irmãos... Retenha isso na sua frágil memória.

Permita-me ainda, já que meu pai não pode fazê-lo, corrigir-lhe mais um lapso desta vez, penso que de memória: meu pai  NUNCA se afastou de ninguém, afastaram-se dele! Ainda as intrigas eram uma miragem, e vocês todos, sem excepção, vinham e voltavam de França sem o visitar! Normalmente sabia-se da chegada deste  ou daquele por acidente. A casa do meu pai NUNCA encheu com a vossa presença e era necessário receber um convite  na casa dos que já se encontravam definitivamente em Portugal para usufruir da vossa companhia ou por-vos os olhos em cima! Depois, veio o ultimato: "ou deixas de falar com o irmão do meio ou nós afastámo-nos!" Precisamente porque meu pai entendeu que não deveria excluir NENHUM irmão do seu convívio, zangaram-se com ele!  As partilhas vieram pôr a cereja no topo do bolo: mesmo depois de os terem deixado escolher, roubar à descarada metros ao que tinha herdado, ele tinha ainda que ser complacente e deixar que fizessem no que já era dele tudo o que lhes apetecesse! Seja sensata e admita: vocês abusavam da boa vontade dele! Por ele ter sido generoso toda a vida, achavam que lhes devia isso sempre.

Eu sei que tiveram a mesma educação mas o que cada um fez com o que recebeu, foi muito diferente. Logo agradeço que nem se compare, sequer de longe, ao sábio do seu irmão que soube receber os ensinamentos e transformá-los em bondade e carisma. O seu irmão transbordava de carácter. O sangue que lhe corre nas veias pode ser igual mas os códigos genéticos não. Meu pai parece um  "bastardo". Ele é e sempre foi diferente de todos vós.  

Mas o que me intriga mais na sua carta é dizer que não pode cá vir porque sua visita não seria por nós apreciada. Mas por acaso precisa da minha simpatia por si para dar um abraço ao meu pai? Sim é verdade. Não gosto de nenhum de vocês! Mas era suposto eu gostar depois de andarem já há 33 anos a enporcalhar meu nome sem que eu vos tenha feito mal algum? A mim parece-me que, precisamente por saberem o mal que me têm feito, receiam o confronto. Sosseguem. Isso é coisa de gente primitiva. Eu evoluí. Se o quisesse, tería-vos procurado a TODOS. Mas eu sou doutra casta. Assim que a vida me explicou a razão de serem assim para mim, deixei de sofrer e passei a viver feliz. E se puxar pela memória verá que fui eu que desapareci das vossas vidas e não vós... Por isso, mesmo que cá viessem, dificilmente conseguiriam por-me os olhos em cima...

Cara irmã do meu pai, ele de facto não consegue lembrar-se de ninguém, mas quando lhe dou um beijo, lhe digo que o amo e o abraço ele retribui com um sorriso frágil. Esqueceu-se das pessoas mas não dos afectos e do quanto isso lhe sabe bem... Sabe, minha cara, quando perdi a minha menina, as pessoas que ficaram com ela detestavam-me. E mesmo assim, sob ameaças, a fazerem-me esperas na escola dela para eu não me aproximar e ir lá vê-la, eu fui, sempre que o quis, sem medo de ninguém nem me importar com as consequências. Tudo isso para lhe dar um beijo e dizer que amava e que iria lutar por ela até ao fim da minha vida. Consigo, nem sequer se põe esse problema: foi-lhe dito já por 2 vezes ao telefone que podia cá vir sempre que o quisesse.

Não diga jamais de novo que tomar conta do meu pai é um dever e uma obrigação. Tomar conta dele é um privilégio e uma honra que fazemos sem qualquer sacrifício e com muito prazer. Eu sei que para si isso é difícil de compreender principalmente depois da grande disputa que travaram entre vós para se entenderem quando foi necessário cuidarem da vossa mãe. Mas aqui, tal como lhe disse anteriormente, somos pessoas diferentes. Nós somos azeite e vós, água. Por isso a mistura jamais será possível. E permita-me que lhe diga, a sua mãe partiu triste e seu pai revoltado. Serão anjos sim, mas não partiram em paz.

Ao contrário do que escreve, amor é, deixar as intrigas para acudir à solidão de um ente querido, é dar um abraço forte e ser capaz de dizer: "Desculpa mano! Amo-te muito e estou aqui contigo. Esquece tudo o que foi dito!". Para uma pessoa emocionalmente desestruturada como é seu caso, que andou e anda à deriva, entendo que confunda o que realmente é o amor. Espero que tenha aprendido alguma coisa.

A história ainda está a ser escrita. Não podemos mudar o que já passou mas podemos sempre alterar o seu final.

Pense nisso...





    

        







sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - O CARVALHO


Quando minha mãe me comunicou ontem que tinha lá estado em casa um dos meus tios, pensei: "Aleluia!". Mesmo tardio é sempre bom saber que  os afectos existem e que apesar de todas as intrigas familiares, há coragem para deixar de lado interesses menores para dar importância ao que realmente interessa: abraçar meu pai. No entanto a minha alegria depressa se dissipou à medida que a minha mãe me relata como tudo se passou.... "Ele veio cá por causa de um carvalho... - disse ela a dado momento - vinha sozinho sem tua tia, numa carrinha branca e depois de me cumprimentar disse-me que havia no terreno do pai um carvalho que tinha ramos para o lado dele e as folhas estavam a deitar lixo..."  Sem conseguir disfarçar o meu espanto, ela continua: "Disse-me que tinha de cortá-lo eu ou mandar o meu mensageiro do costume fazê-lo porque não queria as folhas nem os ramos no que era dele..." Explodi! Há coisas que de tão execráveis não temos palavras que possam descrever o sentimento que nos invade por indivíduos assim. E a pergunta não se fez esperar no meio daquela minha vontade de o esganar se o tivesse ali: "Mas ele veio para ver o pai?!!!!!!!! - perguntei eu possuída pela raiva. "Não - respondeu ela calmamente - quando acabou de dar o recado, perguntou como estava o Manuel e eu respondi que se queria saber, que o fosse ver... e foi só isso que fez com que ele fosse". 

Pois é... um carvalho consegue fazer mover mais depressa alguém à casa do meu pai do que ele próprio. Começo a ter inveja desse carvalho que atrai tanta atenção em detrimento de outras cuja a existência pouco ou nada importa. Dirão eles um dia, depois de confrontados  que o carvalho foi um pretexto para la ir a casa, para verem como eram recebidos! IDIOTAS! Quem é que vai a casa de alguém visitar um  enfermo com um "pau" na mão pronto a bater?  

Os factos da vida escrevem-se assim, nua e cruamente do jeito que tudo acontece. E não vale a pena depois limpar imagens fazendo-se passar por vítimas disto ou daquilo.

 Pelas próprias mãos escreveram e continuam a escrever  o que eu apenas  relato.




terça-feira, 3 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - AS COMPRAS



Quando minha mãe me telefona, percebo logo que algo ia mal. Porque tinha ela tanta pressa que eu lá fosse se já estava combinado eu lá passar? Apressei-me o quanto pude para chegar o mais depressa possível junto dela. O que se terá passado desta vez? - pensei eu. Encontro-a completamente exausta a chorar copiosamente e depois de alguns minutos a pedir-lhe que se acalmasse, lá me relata a noite que tinha tido:" Não aguento mais! O teu pai levantou-se de noite e encontrei-o caído no chão e ali ficou sem eu me aperceber! Depois quis levantá-lo mas não conseguia...  Lá consegui trazê-lo a custo de novo até ao sofá mas passado minutos já tentava levantar-se de novo... Fiz uma barreira com o outro sofá mas tive de ficar ali porque ele empurrava com os pés..."  No meio daquele sufoco, percebi que tinha chegado o momento de ir às compras: uma cama articulada com grades, uma cadeira sanitária, um banco para o duche e uma poltrona adaptada eram fundamentais para dar alguma qualidade de vida ao meu pai, mas sobretudo, à minha mãe!

E lá fui eu ontem tratar das novas aquisições. Enquanto regressava das compras, vem-me um pensamento: quando nascemos, nossos pais compram-nos uma cama com grades, um potinho, uma cadeira  para sentar... Na fase final da vida são os filhos que compram para os pais, a cama com grades, a cadeira sanitária, e a cadeira com resguardo para sentar...   

Li algures que a vida é como uma roda gigante. Quando nascemos estamos em baixo, depois crescemos e começamos a subí-la. Atingimos o topo. E depois, devagarinho, vamos descendo novamente até ficar de novo cá em baixo...

A vida de facto não é mais do que um nascer, crescer, envelhecer e morrer. Não importa o que fomos. A todos espera o mesmo destino.  E as únicas coisas que levaremos connosco serão os afectos, as acções boas ou más e as memórias.

Meu pai irá carregado de amor e de memórias de uma vida dedicada à família e aos outros. E haja o que houver lá em "cima", ele entrará pela porta grande com todas as honras que merece.



    

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - A DESCOBERTA




Já ando a dizer à minha mãe há já imenso tempo que pessoas com doenças do foro psiquiátrico não podem ser tratadas com violência ou rispidez. Mas, como sempre, não fosse ela casmurra, mesmo tendo tido uma má experiência relacionada com episódio semelhante, o certo é ela insistia em usar a força e autoridade para mover meu pai a fazer o que ela queria: se ele não queria comer, ela ralhava com ele; se ele não queria ficar quieto, ela ralhava com ele; se ele não queria deitar, ela ralhava com ele... e sempre assim, usando ainda a força que tinha para o demover. Meu pai lá ía ripostando mostrando o seu desagrado, e também ele, usando a força que ainda tinha para que ela parasse  de o obrigar àquilo que ele não queria. E eu, que presenciava alguns episódios, lá ía pondo alguma sensatez nela alertando que um dia ele poderia intentar agressivamente sobre ela. Ela nunca me deu ouvidos dizendo simplesmente que era assim que tinha de ser. Não valia a pena argumentar que os médicos existem para os medicar e acalmar e que a violência só trás revolta no doente.

Soube casualmente, porque ela calava-se sobre o assunto, que ele a empurrava e lhe dava socos nessas ocasiões. E mais uma vez tentei sem sucesso fazer-lhe ver que poderia correr perigo de vida caso insistisse naqueles métodos. Mas ela desvalorizou...

Por dar sinais de estar esgotada, ofereci-me para tratar da casa dela para ela poder descansar mais. Na semana passada, no meio das minhas limpezas, faço uma descoberta aterrorizante: espalhadas por vários sítios na sala onde meu pai permanece o dia todo, estavam várias facas cautelosamente escondidas. A descoberta não me surpreendeu. Ele já a tinha ameaçado que a matava. Mas quis o destino, e ainda bem, que a doença entretanto lhe retirasse bruscamente as forças: primeiro nas pernas, depois no restante corpo. Não fosse isso, uma tragédia avistava-se.

Quando confrontei minha mãe com o que encontrara, ela ficou sem palavras. Apenas a pensar. E quando finalmente caiu em si não consegue dizer outra coisa senão: "Ai meu Deus!"

Não a martirizei mais do que ela já estava com a descoberta. Remeti-me ao silêncio que ela entendeu muito bem. É que afinal, por muito que o meu pai a tenha amado, por muito amável que tenha sido outrora, agora demente, ele é outro, sem noção de nada e capaz de tudo.