terça-feira, 3 de dezembro de 2013

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - A DESCOBERTA




Já ando a dizer à minha mãe há já imenso tempo que pessoas com doenças do foro psiquiátrico não podem ser tratadas com violência ou rispidez. Mas, como sempre, não fosse ela casmurra, mesmo tendo tido uma má experiência relacionada com episódio semelhante, o certo é ela insistia em usar a força e autoridade para mover meu pai a fazer o que ela queria: se ele não queria comer, ela ralhava com ele; se ele não queria ficar quieto, ela ralhava com ele; se ele não queria deitar, ela ralhava com ele... e sempre assim, usando ainda a força que tinha para o demover. Meu pai lá ía ripostando mostrando o seu desagrado, e também ele, usando a força que ainda tinha para que ela parasse  de o obrigar àquilo que ele não queria. E eu, que presenciava alguns episódios, lá ía pondo alguma sensatez nela alertando que um dia ele poderia intentar agressivamente sobre ela. Ela nunca me deu ouvidos dizendo simplesmente que era assim que tinha de ser. Não valia a pena argumentar que os médicos existem para os medicar e acalmar e que a violência só trás revolta no doente.

Soube casualmente, porque ela calava-se sobre o assunto, que ele a empurrava e lhe dava socos nessas ocasiões. E mais uma vez tentei sem sucesso fazer-lhe ver que poderia correr perigo de vida caso insistisse naqueles métodos. Mas ela desvalorizou...

Por dar sinais de estar esgotada, ofereci-me para tratar da casa dela para ela poder descansar mais. Na semana passada, no meio das minhas limpezas, faço uma descoberta aterrorizante: espalhadas por vários sítios na sala onde meu pai permanece o dia todo, estavam várias facas cautelosamente escondidas. A descoberta não me surpreendeu. Ele já a tinha ameaçado que a matava. Mas quis o destino, e ainda bem, que a doença entretanto lhe retirasse bruscamente as forças: primeiro nas pernas, depois no restante corpo. Não fosse isso, uma tragédia avistava-se.

Quando confrontei minha mãe com o que encontrara, ela ficou sem palavras. Apenas a pensar. E quando finalmente caiu em si não consegue dizer outra coisa senão: "Ai meu Deus!"

Não a martirizei mais do que ela já estava com a descoberta. Remeti-me ao silêncio que ela entendeu muito bem. É que afinal, por muito que o meu pai a tenha amado, por muito amável que tenha sido outrora, agora demente, ele é outro, sem noção de nada e capaz de tudo. 

         

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