sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A VIOLÊNCIA DAS PALAVRAS

Quando se ouve falar em violência doméstica associa-se logo às agressões físicas, àquelas que deixam marcas profundas no corpo visíveis a qualquer um. Mas há outra forma de violentar tão mortífera como a primeira: a violência psicológica. Nesta o agressor não precisa de se munir de facas, espingardas ou outros objectos contundentes. Precisa apenas de abrir a boca e usar a força das palavras crueis e vis que rasgam até à alma. E por não ser entendida, na maior partes da vezes, esta forma bárbara de relacionamento é confundida com mau feitio. É desculpada pela vítima que pensa apenas tratar-se de um carácter "forte" ou difícil como tão banalmente é apelidado. Mas não é. A violência psicológica é praticada por gente com patologias e tem de ser denunciada.

O agressor psicológico é na sua natureza, um indivíduo que por norma não valoriza a mulher nem a respeita. Olha-a como ser inferior, seu subalterno que lhe deve toda a obediência sem pestanejar. Para reforçar este estatuto, humilha-a e despreza-a a cada minuto elevando o seu ego até à altura do chão onde assim o pode pisar sempre que quer, fazendo nascer na sua vítima o sentimento de pessoa sem valor. Frequentemente culpabiliza-a por tudo o que lhe acontece: se perdeu o emprego, a culpa é dela; se está aborrecido, a culpa é dela; se os filhos andam mal na escola, a culpa é dela; se não é bem sucedido na vida, a culpa é sempre dela. Pelo meio, expressa-se com violência, de forma gratuita e vã enquanto ainda exige sorrisos e boa disposição todos os dias quando chega a casa... Vê-lhe apenas obrigações sem direitos e não perde uma oportunidade de apontar falhas ignorando por completo o elogio quando ela o merece. Não se interessa pelos seus sentimentos nem deixa que fale neles. Não entende a tristeza da vítima nem lhe admite lágrimas. Afinal de que se queixa ela se ele só  está a reagir assim por aquilo que ela não lhe dá? Para o agressor, tudo nela  é irritante e motivo de discussão: ou porque conversa demais, ou porque conversa de menos; ou porque se exprime demais, ou porque se exprime de menos; ou tem iniciativas de mais, ou iniciativas de menos... Sempre assim. Irrita-se facilmente quando ela fala ou faz algo por muito inocente que seja. Corta a palavra ao meio, levanta-se da mesa abruptamente, atira objectos contra as paredes, bate as portas com violência pontapeando tudo o que se atravessa na frente. Responde com atitudes violentas à irritabilidade que ela lhe provoca. A agressividade é quase diária sem motivo aparente. E a vida passa a ser como um jogo de poker: nunca sabemos qual a cartada seguinte que vai ser jogada... Não se importa que ela vá mal vestida ou mal cuidada para o trabalho mas ai dela se ousar um dia colocar um pouco de batom antes de sair. Logo lhe inventará amantes escondidos à espera dela ao sair do trabalho. E basta uns minutos de atraso para que lhe massacre violentamente a mente com comentários maldosos e sinuosos de sexo fora de casa. Por isso frequentemente lhe exigirá bom sexo como prova de amor e de fidelidade.  E se nada corresponder ao esperado rebentará de raiva como se estivesse a ser traído. Pouco se importa se as razões da vítima são a falta de mimo, atenção e apreço e que com esse défice não se consiga entregar como gostaria. Em contrapartida, ele terá muitos affairs fora do casamento que ele justificará como inevitáveis pela falta de atenção que ela lhe dá. Do ponto de vista do agressor, ele não é culpado de nada. E se a vítima não corresponde é porque não o ama. Na verdade, são abundantes as vezes que lhe repete essa tão desejada palavra. Quase com a mesma frequência com que a violenta, repete-lhe que é a mulher da vida dele e que não vive sem ela.  É o paradoxo em pessoa confundindo a sua vítima e prolongando assim uma relação que sem isso já teria morrido há muito tempo. 

Pelo caminho fica uma mulher totalmente destruída, castrada de vida e sentimentos, manipulada e controlada até ao limite, aprisionada a uma relação mortífera sem o saber. Ama o homem que conheceu, acredita que ele continua ali, mas desculpa-o constantemente por acreditar ou querer acreditar que tudo não passa de uma má fase, de um feitio difícil originado por qualquer trauma de vida. 

Fui vítima de violência psicológica. E  apesar de já terem decorrido 24 anos desde que fugi do meu agressor, as marcas que me deixou continuam abertas. Jamais me vou esquecer do quanto ele me aprisionou impedindo-me de voar, de ser "eu". Confinada a viver dentro de uma "caixa" cuja chave só ele tinha, tudo me era imposto: a forma de falar, de agir, de vestir, de viver... Não me esqueço das humilhações na frente de todos, em qualquer lugar, em qualquer momento. Dos choros constantes. Dos sorrisos ausentes. Da dureza de viver. Era manipulada para não ser nada, eternizando uma frase que eu dizia constantemente: "Para ti sou menos que um bibelo..." Quando o deixei no meio de uma coragem sem igual, renasci. Ao ponto de me tornar irreconhecível aos olhos de quem me viu.

Pôr um basta numa relação destas não é fácil. Mas também não é impossível. Exige muita coragem mas sobretudo muita determinação. Há que ter presente que o agressor não vai desistir facilmente e que não aceitará um "não quero mais" com leveza. Usará de maior violência para exercer o seu sentimento de posse de coisa que ele pensa ser sua. Mas no fim, por muito machucada que saia, ficará feliz por ter sobrevivido e verá que a vida, mesmo sozinha, é bela. Aprenderá que o amor maior é o seu por si e que por nada deste mundo deverá permitir que o destruam.


   

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - O "BICICLETA"


Certo dia, o meu avô, sabendo que tinha levado a bicicleta do meu pai quando este imigrara, resolveu há uns anos, dar-lhe a sua. Agradecido, e apesar de já não precisar de nenhuma, meu pai informou que um dia lá passaria para a buscar. O irmão do meio, já grandemente conhecedor dos temperamentos que inundavam do outro lado da família, bem o alertou para que  fosse o quanto antes. Mas meu pai desdramatizou respondendo que seria muito absurdo alguém se interessar por uma bicicleta que lhe tinha sido justamente oferecida... Mas enganou-se. A irmã mais velha, assim que soube da oferta, insurgiu-se veemente junto do pai demonstrando todo o desagrado por esta decisão! Afinal, se o meu avô tinha uma bicicleta porque razão teria ela de ir parar às mãos do meu pai e não ás dela? O facto tornou-se ainda mais caricato quando meu pai decidiu finalmente ir buscá-la. Quando lá chegou, já a irmã a tinha levado...

O caso passou a ser motivo de risota e divertidos, meu pai e meu tio acabaram por lhes por carinhosamente a alcunha de "os bicicleta". 

Resolvi contar esta história porque ela revela tudo aquilo que eu tenho vindo a dizer em relação à hipocrisia instalada dentro da família paterna. Na verdade todos se debatem em afirmar que não são a origem dos conflitos. Que são boas pessoas. Que amam o meu pai profundamente. Mas assim que contamos pequenos trechos passados percebemos a mesquinhez das palavras. Os "bicicleta" não protagonizaram só este episódio. Há uns anos, já no período da doença do meu pai, eles fizeram vista grossa assim que avistaram meus pais num restaurante. Minha mãe fazendo ver que tinha percebido o gesto, levantou-se e foi cumprimentá-los à força mostrando que não valia a pena tentar ignorá-los. Apanhados de surpresa, foram cordiais e acabaram por os convidar a passar na sua casa. Pois é. O convite foi feito e até caiu bem. O problema foi abrirem a porta. A minha mãe à hora combinada estava lá. Tocou diversas vezes à campainha. Ninguém atendeu. O vizinho, no intuito de ajudar, informa meus pais que eles acabavam de entrar há minutos, logo estariam em casa de certeza. Perante tal afirmação, minha mãe incrédula, desce o caminho querendo confirmar a todo o custo que ele se tinha enganado. Mas depressa avistou a traseira do carro estacionado na garagem... 

E depressa também, percebeu que tinha sido enganada...  





   


O TIO MAL AMADO

Não compreendo como tudo aconteceu. E por muito que tente arranjar razões para entender este ódio por ele, continuo sem entender... 

Ele era e sempre foi o mais engraçado de todos os irmãos. Divertido, sempre dado à brincadeira, onde quer que ele estivesse era diversão garantida. Amigo de todos, compadecia-se com as necessidades dos outros sempre pronto a ajudar num altruísmo constante. Não era preciso pedir-lhe nada. Ele antecipava-se.  Tal como certo dia, reunira todos os irmãos para lhes comunicar que queria adquirir um tractor para oferecer aos pais e assim retirar minha avó da vida dura  frente aos bois. Quisera saber se podia contar com o apoio financeiro dos irmãos para a nova aquisição. Mas contrariamente ao que esperava, nenhum se dispôs a contribuir... Mesmo sozinho, a sua vontade superou a falta de dinheiro e contraindo um empréstimo bancário, acabou por oferecer o tractor ao seu pai. Mais tarde, ofereceu à sua irmã uma máquina de costura apenas porque soubera que esta lhe fazia falta... 

Amigo do seu amigo, trava qualquer batalha em defesa de quem ama resulte dela o que resultar. Não se importa de dar a roupa que veste por alguém que precise. Basta que saiba que precisam dele que ele salta donde estiver para acudir. É leal e não admite traições. Muito franco e directo, não poupa palavras ao dizer o que sente, olhos nos olhos. E terá sido isso mesmo a isolá-lo dos outros...

Quando tudo começou não sei. Mas sei que tudo piorou quando, anos depois de ter oferecido o tractor aos pais, meu avô decide devolver-lho alegando já não precisar dele porque iria deixar a lavoura. De imediato, fez-lhe uma vistoria que lhe custou 700 contos e guardou-o na garagem. Ele sabia que enquanto o mesmo esteve na posse do pai, outros irmãos lá iam servir-se dele. Não gostava. E demonstrou-o diversas vezes. Afinal, que direito tinham eles a utilizá-lo sem que tivessem contribuído para ajudar na aquisição? Com que moral deixavam depois as manutenções para fazer a cargo do pai ou dele? O mal estar era visível. Porém certo dia, uma das irmãs ousou ir buscá-lo sem autorização. Ao insurgir-se contra esse total desrespeito, a irmã simplesmente retalia dizendo que haveria de, com isso, envenenar definitivamente o pai contra ele... e conseguiu.

Seguiu-se o momento dos cuidados à minha avó que com saúde debilitada teria de ter apoio permanente em casa.  Ele deixou os irmãos completamente à vontade na escolha dos meses que  seriam atribuídos a cada um e mostrou-se totalmente disponível para ajudar no que fosse.  Mas assim que souberam que ele pretendia recorrer ao apoio domiciliário da paróquia, as vozes do protesto não se fizeram esperar. As donas da moralidade e bons costumes da família  logo se impuseram dizendo não aceitar que minha avó recebesse a "sopa dos pobres" em casa. Na verdade, e porque não acredito numa ignorância tamanha, o que elas não queriam, isso sim, é que ele poupasse minha tia dos cuidados a que elas se sentiam obrigadas. Mas ele é e sempre foi tão diferente do resto do Mundo e por isso, sabia que a esposa não tinha de se sacrificar pelos sogros. A obrigação era dele. Além disso, o apoio domiciliário através da igreja é duplamente com pensador: por um lado o dinheiro pago pelo serviço vai ajudar ao apoio de outros necessitados, por outro recebe-se em casa o apoio profissional de excelência feito por gente dedicada que acaba por estabelecer laços afectivos com o doente debaixo da supervisão dos filhos. Não há dúvida que para quem tem dinheiro, esta é a melhor opção. Criei uma empresa neste sector e não me lembro de nenhum "pobre" ter acesso a ele. Infelizmente, a não ser pelas Misericórdias, este serviço é para elites, pessoas bem colocadas na vida...

Depois veio o apoio dado ao meu pai quando uma irmã e meu avô decidiram resolver as inundações de água numa propriedade por ela herdada partindo o muro da propriedade do meu pai... para fazer o escoamento. Esta lealdade custou-lhe dissabores com que ele nunca se importara. Afinal, tratava-se de uma provocação ao irmão que tudo fizera pela família. As cartas provocatórias e difamatórias não se fizeram esperar e a guerra instalou-se. Afinal, se ela tinha água no terreno porque razão não a deixavam mandá-la para propriedade vizinha, se até o próprio pai estava de acordo e as propriedades, antes de herdadas eram dele?! Foi o tribunal que resolveu este assunto a favor do meu pai, claro. Mas para o meu tio, continuou... Sabendo que ele tinha feito um escoamento subterrâneo para canalizar a água de sua casa e que passava por baixo do seu terreno, minha tia idealizou "utilizá-los" para seu benefício, sem autorização do seu proprietário. A retaliação não se fez esperar, e com a lei do lado dele, avançou sem rodeios para... o tribunal.  Enquanto isso, os restantes irmãos apoiam a irmã nesta condenação à inevitável indemnização ao invés de a chamar à razão  explicando-lhe que as coisas não se resolvem à revelia e que isto só a prejudica... a ela! Alimentam-se batalhas gratuitas mesmo sem fundamento só pelo prazer de ver tudo a explodir. Porque o que importa é manter os diferendos, as distâncias entre eles.  Assim é o conceito de amor e amizade por aquelas bandas...

Eu também tive os meus desencontros com este tio e desengane-se quem pensar que não tenho motivos para mágoas. Mas o que o distingue dos outros é sabermos os "porquês". Sabermos os motivos. Porque ele é genuíno, autêntico e não engana ninguém. E assim facilmente poderemos compreender, aceitar e até perdoar. E com isso confesso que o admiro pela sua transparência e franqueza com a qual me identifico e provavelmente terá sido essa qualidade que nunca me fez afastar dele. É que, uma coisa é sermos constantemente prejudicados por outros tios sem nunca lhes termos feito mal algum, outro é ser-se como este que não se coíbe de dizer o que o afectou com toda a objectividade possível e sem rodeios.


Que me perdoem os seus opositores mas eu gosto muito de pessoas assim. De pessoas francas, sem papas na língua, sinceras e leais. Pessoas que não enganam. Pessoas que não representam. E hoje não tenho dúvidas que o fosso que dividiu os irmãos, não foi mais nada senão esta indubitável diferença que fez dele o  tio mal amado.

 
       



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O PRÉDIO COUTINHO

Quando era miúda ele já existia. Imponente junto ao jardim, nunca conheci a cidade com outra paisagem. As polémicas à volta deste prédio eram muitas: umas a favor, outros contra tal e qual como nos dias de hoje. Contava-se que tinha sido embargado várias vezes aquando da sua construção mas o certo é que, dentro da volumetria estabelecida pelo concurso público que lhe deu origem, o "Coutinho" nasceu devidamente licenciado pela Câmara, no terreno do  antigo mercado, que tinha sido vendido em hasta pública. Por trás deste, nascera o novo mercado que ali permaneceu durante muitos anos.  

Quando soube da notícia da intenção de demolição, fiquei apreensiva. Não se falava em problemas na estrutura, não se falava em perigo eminente dos moradores do edifício, falava-se sim, de demolir por questões paisagísticas! Um milhão de euros será o custo da implosão mas já vários milhões terão sido gastos nas indemnizações aos proprietários das fracções, assim como na construção dos "caixotinhos" onde os realojaram. Curiosamente, os mentores deste "projecto" começaram por dizer que aquele espaço era crucial para a cidade pois pretendiam fazer nascer um centro de eventos. Ironicamente, acabou este por ser construído noutro local sem precisar do "Coutinho" para nada. Entretanto, outro iluminado veio a público dizer que a cidade, em dias de feira era um caos com carros e pessoas entupindo as artérias principais e que era imprescindível tirar o mercado dali, mesmo por trás do "Coutinho"! Levaram-no para o outro extremo da cidade e ali permaneceu até hoje. Mudam-se os tempos mudam-se as vontades e novamente os defensores da implosão, depois da catástrofe económica por demais evidente do centro da cidade em consequência de políticas mais direccionadas com questões paisagísticas, vêm agora dizer que aquele espaço é fundamental para a construção do novo mercado e consequente dinamização de Viana.  

Durante todos estes anos os políticos responsáveis por esta cidade andaram a brincar aos legos, construindo, destruindo, modificando, tirando, alterando não se importando. com essas decisões, pelas vidas das pessoas.  Do ponto de vista estético, realmente o Coutinho não está bem ali. Nem ali nem em nenhuma parte da cidade: é grande e não se enquadra numa urbanização que se quer rasteira, junto à margem do rio até à encosta de Santa Luzia. Mas foi aprovado em 1970 assim como outras torres , do lado esquerdo da ponte,  já mais recentes, também elas abortos estéticos   e das quais, por enquanto ninguém fala. Principalmente depois de uma delas ter tido graves problemas de estrutura... 

Aqui está em causa, acima de tudo, pessoas: as que moram no Coutinho e os contribuintes, ou seja, nós todos. Aos moradores foi-lhes dito de um dia para o outro que ficariam sem a casa que um dia compraram carregada de memórias de uma vida. É fácil opinar antes de o mesmo drama bater às nossas portas. Mas alguém se imagina a ter de entregar ao Estado a sua casa a troco de seja lá o que for e viver noutro lugar qualquer onde não tem raízes ou não se identifica por uma questão meramente de ... estética? A revolta é compreensível e a luta deles ainda mais. É uma vida a fugir-lhes pelos dedos sem razão plausível. Por outro lado há as questões financeiras que este projecto implica. Ora, pergunto se depois de tantos sacrifícios impostos pelo governo, todos dirigidos apenas e tão somente ao povo, se é justo que fiquem também a pagar uma implosão, indemnizações e construções  milionárias por causa destes visionários da estéctica?  

Por outro lado, não acredito nem um pouco que ao trazer o novo mercado para dentro da cidade, ela volte a respirar a saúde de outros tempos. Não foi só a saída do mercado que matou o coração de Viana.  Um centro comercial dentro da cidade e os parques todos pagos incluindo à superfície, afastaram toda a gente do centro. E não é preciso ser-se perito em assuntos económicos para entender que não há veneno mais letal do que estes 3 ingredientes juntos! Sem mercado, com centro comercial cheio de lojas com descontos ao desbarato, reunindo 1 espaço só,  lazer, compras e restauração, e estacionamentos todos a pagar, os consumidores, preferem, o tudo em um, no conforto dum espaço  onde não há chuva nem vento e pagar parque por pagar, pois que seja no shopping onde as compras se fazem mais depressa!

Devolver o mercado ao centro da cidade é imperioso pois depois de tantas más decisões seria uma forma de minimizar os danos já provocados e restituir alguma cor e dinamismo de que a cidade tanto precisa. Mas há alternativas ao Coutinho. Quiçá não ficasse muito mais em conta, realojar as pessoas naquilo que já era delas e precisamente no local onde já era o mercado e passou a ser o habitáculo daquelas criaturas, readaptá-lo   para ali se instalar o mercado. Curiosamente, tem arquitectura que se encaixa perfeitamente e no sítio exacto onde estava o anterior. 

O que me parece é que, caso esta implosão siga em frente, estaremos a abrir um precedente no futuro. Estaremos todos a contribuir para que outras iniciativas deste género venham a acontecer não por questões de segurança das pessoas mas tão somente pelo imperioso interesse público que tanto pode ser por 1 questão de estéctica como por  interesse de um lobbie. 

É preciso recordar que o mesmo ministro do ambiente que ordenou a demolição do Coutinho por questões ambientais, engº José Socrates, autorizou o Freeport em reserva ecológica provando assim que as políticas mudam-se à mercê dos interesses.

E agora, vianenses, pensem nisto: e se um dia  por questões estécticas, é o vosso bairro ou prédio que querem mandar abaixo?  

Vale a pena pensar nisto.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O CASO DO DIOGO

O que aconteceu ao Diogo? Esta é a pergunta que permanece por responder 12 anos depois da sua morte. Numa noite como tantas outras, Diogo saiu de casa à noite alegando resolver a sua vida junto da Tuna de que fazia parte. Estava farto de ser praxado de forma estúpida e violenta mas nunca o confidenciou à mãe. Por isso, quando a notícia da tragédia chegou aos familiares, nunca suspeitaram que ele tinha sido morto. Foi um médico que corajosamente, ao ver o atestado de óbito, ordenou de imediato uma autópsia quando já decorria o enterro...

A mãe de Diogo, visivelmente abatida pelo sofrimento denunciava assim pela primeira vez e em televisão a luta que travou contra a universidade Lusíada. E apesar de coagida ao silêncio, enfrentou com coragem a Universidade do filho e ganhou. Mas ela quer mais. Quer ver os responsáveis a contarem como tudo se passou e porque ele morreu. 

Que há abusos nas praxes académicas e que algumas práticas são por vezes violentas, é um facto irrefutável. Não se trata de ser a favor ou contra às praxes. Trata-se de corrigir o que está mal, muito mal na actuação de algumas COPA. Trata-se de obrigar as Universidades a intervir e não a distanciar-se do problema como sempre o fazem assim que há uma queixa ou morte. Trata-se de definir uma vez por todas o que é uma praxe, como pode ser feita e sob que limites. Trata-se de criminalizar quem prevarica e quem não fiscaliza. Trata-se de sentar no banco dos réus os Duxes quer pelas suas actuações ou de seus colaboradores.  Em suma, trata-se de passar para decreto-lei o que até agora era mero estatuto das praxes. 

É imperioso ver os governantes legislar sobre isto e de forma célere. Não há indemnizações que compensem a perda de um filho. E contrariamente ao que foi dito, na lei actual não há quadro legal jurídico suficiente para tratar destes assuntos como eles merecem. Se houvesse, já muito se teria evitado. Uma legislação específica e rígida sobre esta matéria, desmotivaria muitas práticas excessivas. E as Universidades, ao serem também elas responsabilizadas a responder criminalmente, travariam rituais absurdos dentro ou fora das instalações.

A vontade começa na consciencialização. Enquanto continuarem a haver dirigentes e governantes a pensarem que nada se passa, que tudo é inocente, que apenas se tratam de "acidentes", que nada mais se pode fazer além do que já se faz, os nosso filhos correm perigo. A mim preocupa-me imenso saber que ainda tenho dois pequenos em casa que futuramente serão universitários. Preocupa-me que não saiba quem serão os COPA que lhes calharão na rifa se até lá nada for mudado. E como mãe serei obrigada a defendê-los sozinha começando por lhes ensinar já de pequenos a não ter medo de dizer NÃO;  ensinar-lhes a denunciar sem medo tudo o que for abusivo; abandonarem o local das praxes se algo anormal estiver a ocorrer; não aceitar praxes fora dos recintos universitários e sobretudo nunca se calarem sobre o quer que seja. Fazer deles pessoas fortes o suficiente para enfrentar quem quer que seja impondo a sua vontade de não serem praxados independentemente das consequências. Saberão que é melhor transferi-los de instituição a submeterem-se a práticas humilhantes ou perigosas. Saberão defender-se se mais ninguém lá estiver por eles. 

Eu não sou contra as praxes. Sou contra certas pessoas que possuem o direito a praticá-las sem escrúpulos sem respeito pela dignidade humana. E porque só à base de estatutos está mais que visto que não há segurança alguma, legislar sobre o assunto é para mim, a única via pela qual devemos todos nos debater para que possa haver "mão" pesada aos prevaricadores de pactos de silêncio atroz, no qual se escondem , para impedir a responsabilização tal como aconteceu ao Diogo.