sexta-feira, 8 de agosto de 2014

OS TIOS

Há um enigma na minha vida que me persegue desde menina: porque me odeiam tanto os meus tios paternos? Porque minha existência os incomoda? Até que cresci e a vida me trouxe a sabedoria para compreender. Meus tios são como a lenda do escorpião que depois de salvo quatro vezes de se afogar, picou as mesmo quatro o seu salvador. Eles não precisam de ter motivos, eles picam por picar. É sua natureza.

Logo muito cedo fui fustigada pelo mesmo mal de que acabou de padecer meu pai e meu tio. Tinha apenas 13 anos e a inocência própria daquela idade. Amava-os a todos e sentia-me feliz porque nunca tivera família até ali e isso enchia-me a alma. Eram aparentemente afáveis e pareciam todos muito amigos uns dos outros. Por isso não foi difícil meu pai, depois de umas curtas férias a Portugal, me convencer a cá ficar definitivamente. De um dia para o outro passei a ter imensos primos e tios onde em grupo nos reunia-mos frequentemente em longos e simpáticos convívios, sempre cheios de risos e brincadeiras. Era uma delícia e sentia-me infinitamente feliz.

Mas não tardou muito a ver eclodir os primeiros episódios de mágoas que me acompanhariam ao longo de décadas. Por ter sido a mais velha de todas as sobrinhas e logo também a primeira a dar passos numa adolescência algo conturbada, fui a estreia  viperina destas almas malvadas. Ser a primeira em tudo, não é fácil de digerir, de facto: a primeira com coragem para divorciar; primeira a obter um curso superior; primeira a construir casa; primeira a adquirir carro; primeira a construir carreira profissional de sucesso. Enfim, a primeira e única com um currículo de fazer inveja a qualquer um... E inveja não falta à minha família paterna. 

Sem coragem para o admitir, foram minando as minhas trajectórias com comentários e boatos, construindo à minha volta uma imagem de mulher fútil, irresponsável, leviana e incompetente. Fútil, porque só as fúteis que querem libertinagem é que se divorciam. Irresponsável porque uma mãe que gosta dos filhos não se divorcia. Leviana porque meninas de boas famílias não tiram fotografias abraçadas aos namorados, não os beijam nem muito menos vão às discotecas com eles. Incompetente porque  levei a empresa do meu pai à falência deixando-o tão pobre que hoje vive só dos rendimentos...   

Compreendo que não é fácil ter na família uma personagem do meu calibre sobretudo se não se passou da mediania, se não saíram do cinzento monótono de uma vida sem destaques, sem glórias, sem sucessos... Estas línguas viperinas não passam de gente apagada sem cor, sem brilho, sem luz, que caminham lentas e arrastadas para uma velhice tendo tido como único destaque, respirar para não morrer. Quando pouso o olhar neles, mesmo à distância, vejo gente sem glamour que perdeu tempo demais com a vida dos outros e tempo de menos a cuidar das suas.   Distraíram-se tanto que não viram que seus filhos já divorciaram repetidamente e mais vem a caminho... Que enquanto me apontavam leviandade andavam promiscuamente envolvidos uns com os outros, trocando de camas aqui e ali enquanto desfilavam casados para o bem da moral e bons costumes... Que abriram falências fraudulentas, fugas colossais aos impostos, e deixaram morrer todos os negócios em que se envolveram...  Para não falar daqueles cujo o único mérito foi fazerem uma casa em cima de um terreno do pai... 

Já lá vai o tempo em que tudo isto me atormentava o sono. Compreendi que mesmo não lhes tendo feito mal algum nem ter proferido o que fosse que os prejudicasse, não poderia fugir nunca ao veneno das suas línguas. Sei hoje que só se fala de quem tem brilho próprio e irradia luz por onde passa. A mesma luz que gostavam de possuir, mas por serem  almas pequenas, não a têm. 





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