Eu não cresci com os meus avós, nem paternos nem maternos, e foi só aos 13 anos que comecei a privar com eles, quando regressamos definitivamente do Canada.
Meu avô paterno era aquela figura que, numa primeira impressão, gostávamos logo dele: fazia rir toda a gente com a forma como contava suas histórias, era muito sorridente, muito conversador, cheio de energia que o tornava de certo modo cativante. Era nas reuniões familiares que o encontrava e escusado será dizer, à época eram mesmo muitas... tantas que raro era o fim de semana que não nos juntássemos todos para alguma coisa. Ao início até lhe admirava a relação que tinha com minha avó a quem apelidava de "minha santa" e à qual se dirigia, aparentemente, com muito carinho e afecto.
Porém, o tempo, ah! esse tão grande aliado, foi-me mostrando que nem tudo o que brilha é definitivamente... ouro. Os anos a passar revelaram um homem mesquinho, dissimulado, e mau, que, nem aos próprios filhos poupava nas críticas ou adjectivos impróprios. A primeira vez surge quando ouço comentar a vida, segundo ele, leviana da filha que, por ter um marido boémio, andava a passar uma fase menos boa. Encheu-a de nomes grotescos, pisou-lhe a imagem, rebaixou-a ao nível do chão, e perguntava-me eu, que pai era aquele que, ao invés de ajudá-la, a pisava.
Depois foi a vez de outro filho de quem ele dizia ter os filhos mais insuportáveis do planeta e cuja nora, a quem nunca se referiu como nora mas sim pela alcunha, dizia, quando eles não estavam presentes, que simplesmente não a suportava no seu estilo masculino de quem manda em tudo e se achava melhor que ninguém. Foi graças a ele, que todos ficamos a saber como tinha sido a vida deles em França, com detalhe quase obsceno. Destes... e dos restantes filhos, em França, claro!
Mas ele não se ficava por aqui, e a dado momento foi a vez das restantes filhas e por fim, o filho mais novo! Não poupou ninguém. Quando estava com uns, elogiava-os, quando estava com outros, arrasava-os! E eu cresci a ver isto sem perceber ainda que um dia chegaria a vez do meu pai e... a minha.
Quando a minha avó adoece, ele dependente dos filhos para lhe dar apoio, muda de estratégia e começa a afagar as filhas sabendo que seriam elas, em princípio, que o ajudariam. Pois é, mas como o tecido genético tinha sido herdado pelos descendentes, ao contrário do que ele imaginara, a questão virou uma autêntica batalha campal. Não fosse ele a correr fazer as partilhas para "obrigar ao compromisso", e teria ele ficado sozinho a cuidar da minha avó... Apesar de ter sido essencialmente com o apoio das noras que ele deu conta à vida, por razão nenhuma, como sempre, tinha de implicar com quem, não era filha mas fazia sua parte como se fosse, e na maior ingratidão imaginável!
Estala o verniz do lado dos meus pais a quem ele começa a acusar de coisas terríveis e infundadas só pela malvadez de dizer mal. Pelo meio destas guerras, acaba por me atingir com insinuações grotescas classificando-me de tudo e mais alguma coisa de forma desprezível e maquiavélica! No entanto, um pormenor me distinguia dos outros: eu nunca lhe tinha feito ou dito nada que justificasse esta falta de respeito pela minha pessoa. Pelo contrário, eu vivia à margem de todos os conflitos familiares.
Mas uma carta dirigida ao meu pai, escrita pelas suas próprias mãos viria a determinar tudo aquilo que passei a sentir por aquela criatura: pena e desprezo! Em poucas linhas deixava perpetuar o que pensava do meu pai, da minha mãe e de mim. Jamais lhe perdoei o sofrimento e a tristeza que trouxe aos olhos do meu pai pelas palavras que lhe dirigiu, e a raiva pelo que me foi dedicado a mim e minha mãe!
Soube da morte dele e pensei: faz boa viagem e descansa em paz, se puderes. E não fui à sua despedida. Fui sobejamente criticada, como sempre, pela família paterna inteira, que entende, que socialmente, independentemente de como tenha sido a nossa relação com a pessoa defunta em vida, hipocritamente, devemos comparecer só porque se trata de um enterro de um familiar. Mas falta dizer, que caso tivesse tido o desplante de aparecer, iriam todos criticar-me igualmente, pelas razões inversas!!!!
Cada um tem de mim exactamente o que cativou. E ao meu avô sobrou apenas desprezo.