A doença do meu pai foi oficialmente diagnosticada em 2005 mas muito antes disso, ela já tinha tomado conta do corpo dele. Surtos de agressividade, mudanças de humor repentinas, atitudes incompreensíveis fizeram com que certo dia não esperássemos mais e fomos ouvir o veredicto: tinha uma demência Fronto-temporal.
De lá para cá, a notícia correu a passo lento, porque ao contrário de outras, esta não interessava para nada: não era um divórcio, não era uma agressão familiar, não era uma desgraça alheia e por isso, comentar este assunto não dava adrenalina nenhuma. Pelo contrário, dava trabalho e chatice. Olha agora ter de visitar o Manel e ainda por cima chato e com falhas de memória! Ignorar foi o caminho de todos...
Meu pai tem 6 irmãos mas quem o vê acredita seguramente que é filho único. Em 9 anos de doença foi recebendo a visita de um deles até este se ausentar por completo; por outro que lhe fez apenas 1 visita fugaz; por duas tentativas de uma irmã para que se disponibilizasse para participar num convívio que, apesar de alertada para o lado anti-social da doença, insistiu sem sucesso. Nos Natais e aniversários, o telefone jamais tocou, as visitas nestas datas especiais, muito menos. Visto desta forma parece que ele foi uma pessoa terrível e que por isso, nem amigos, nem irmãos se importam. E de facto, o meu pai foi um indivíduo "execrável" para os irmãos. Ao mais novo, que era servente da construção civil em França, com a esposa a fazer limpezas, um trabalho humilde mas digno e a viver num cubículo que era simultâneamente quarto, cozinha e sala para 4 pessoas, quando lhe pede ajuda para sair daquele país, meu pai coloca-o como sócio da sua empresa em Portugal. Mesmo assim, e não satisfeito porque os clientes o tinham como o número dois e nunca queriam tratar dos assuntos senão com meu pai, as queixas sucessivas fizeram com que novamente, meu pai, tal como nos tempos de gaiato, preocupado com os irmãos, idealizou e criou um negócio de exploração de areia fina, e pô-lo na gerência. O irmão do meio, a saber das ajudas concedidas ao mais novo, pede ao "tenebroso" meu pai, ajuda também. Esse, também na construção civil, regressa de vez de França e ingressa na sociedade. Um negócio de "ouro" onde não tardaram as desavenças provocada pela "senhora" que achava injusto repartir os lucros tão elevados das areias com os menos elevados da indústria. O "patife" do meu pai, que vendo a relação degradar-se com seus irmãos por causa dos negócios, resolveu dar-lhes... a galinha dos ovos d'ouro que eles tanto queriam para si. Valeu ao mais novo a desistência do outro, ficando sozinho nesse universo de exploração milionária!
Depois vieram as partilhas, e o "ladrão" do meu pai, mais uma vez, sentou-se impávido e sereno nas reuniões, num papel passivo e desinteressado dizendo claramente: "Escolham! A minha vida já está ganha. Mais propriedade, menos propriedade não me interessa mesmo nada!" E assim foi. Escolheram todos. Alguns até já tinham escolhido, negociado e escriturado bens muito antes das partilhas. Outros em negócios secretos, já se tinham apoderado de propriedades para eles e filhas com o aval do meu avô, é claro!. Ah! Mas isso, tal como diria Teresa Guilherme: "Isso agora não interessa nada..." Houve quem se arrepende-se da escolha e lhe pedisse para trocar de novo. E ele trocou.
O que de facto o meu pai fez de mais tenebroso na vida foi ajudar os irmãos. Antes o tivesse feito, enquanto o pude, à caridade, aos sem abrigo, aos pobres... Se assim tivesse sido hoje muito provavelmente teria grandes irmãos da vida, agradecidos até à morte pelas preciosas ajudas e a casa cheia de gente.
Mas o mais velho de 6 irmãos, que em menino descobria as chouriças e o mel mas que fazia questão em repartir com os mais novos às escondidas do meu avô, mesmo sujeito a ser descoberto, hoje não tem louvores de nenhum deles. Não tem afecto de nenhum deles.
E ao altruísmo dele, responderam-lhe com o abandono...
E ao altruísmo dele, responderam-lhe com o abandono...
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