segunda-feira, 9 de março de 2015

A DESPEDIDA



A notícia fulminou me. Ninguém está preparado por muito que diga que sim. Mesmo na doença achamos sempre que vamos conseguir prolongar-lhes a vida pelo infinito. Até que chega o dia em que constatamos que não temos esse poder. Meu pai partiu pela madrugada no silêncio da noite, tal como tanto desejou. A dormir e sem dor.  Já estava farto de viver, cansado de sofrer e apenas por saber isso, vou aguentando esta ausência dilacerante.

Meu melhor amigo partiu sem dizer nada. Ainda na sexta feira tinha cuidado dele. Estava diferente. Teimava em posicionar-se como um feto na barriga da mãe e eu, sem compreender, ajudava-o a acomodar-se. O corpo já falava e eu não entendi. Soube depois pela minha mãe que ele tinha dito nessa semana várias vezes que "ia morrer". Ele sabia. Sempre soube. Mas a mim, ele não mo quis dizer... Escolheu uma manhã chuvosa e fria de domingo para se juntar aos anjos que agora o guardam. E foi embora...

Passaram 27 dias e minha memória não consegue apagar o momento em que lhe peguei nas mãos frias e chamei pela última vez por ele como se quisesse acordá-lo de uma realidade tão evidente mas que os meus olhos queriam negar. Só as larguei quando eles chegaram. Aqueles que o levariam para sua última morada.

A realidade começava a pouco e pouco a tomar conta de mim. Ali no velório, com ele deitado, de mãos cruzadas debaixo do terço, parecia dormir num sono profundo e tranquilo. Apesar de não ter boa cor, para mim estava lindo e meus olhos percorriam-no como se quisessem registar todos os segundos até à despedida. Não foi com agrado que me informaram que teriam de o fechar e minha alma regada em desespero suplicou para que mo deixassem assim, para o puder ver até ao fim. De nada adiantou. O caixão teve de ser fechado.

Pessoas de todo lado quiseram estar presentes para o último adeus. Amigos de longa data, profundamente emocionados, conhecidos completamente em lágrimas, familiares devastados pela notícia. Todos os que puderam lá estavam. Os outros encheram-nos de saudosas condolências enviadas sob todas as formas possíveis. A capela mortuária tornou-se demasiada pequena para tantas flores que cobriam todos os recantos. A consternação e dor era o sentimento maior.

A igreja encheu-se de gente como nunca vira. De passo lento e olhos colados ao chão, entrei. Ao centro, ali estava já pousado, o homem que mais amara e de quem não me queria despedir. Trémula e de olhos fixos nele perguntava-me porque teria de ser assim. Porque me tiraram meu pai tão cedo? Entre cânticos e rezas, regressei ao passado das memórias mais longínquas. Uma meninice preenchida por aquele que tanto amava. Lembranças de abraços e carinhos, de conversas e risos, de silêncios cúmplices...  Para depois, acordar ali. A realidade. O fim. Ao sinal combinado, levantei-me. Pedira encarecidamente que me deixassem despedir no altar. E li as últimas palavras que lhe escrevera horas antes. Traída algumas vezes pela emoção, entoei minha voz partilhando com o  Mundo o que  me ia na alma. As minhas últimas palavras ao meu pai...

Assim que foi a repousar, uma chuva intensa começou a cair. Dizem os antigos que, quando começa a chover, no momento em que alguém é enterrado, é sinal que uma boa alma chegou aos céus... Sorri. Mesmo triste e destroçada, sorri...

 O meu anjo chegara junto de Deus.  



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