segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

AS PRAXES



A tragédia do Meco é sem dúvida o assunto do momento. De imediato elevam-se vozes, movimentam-se grupos, uns a favor outros contra. O assunto é polémico e opinar sobre ele merece todo o cuidado. 

Como tudo na vida, tudo tem de ter equilíbrio e nada seria prejudicial se fosse feito de acordo com regras e bom senso. No entanto a história mostra-nos que não tem sido assim. E o que não faltam são casos graves de consequências das praxes: uns ficam paraplégicos, outros em coma alcoólico, outros com danos psicológicos e em casos muito piores... morrem! Perante esta realidade impõe-se medidas e céleres. Nenhum pai pode viver na angústia de ver um filho entrar na universidade e temer pelas praxes ali existentes. E as medidas, por muitos impopulares que sejam terão de ser tomadas pelo bem de todos.

Eu fui praxada. E devo dizer que terá sido um dos dias mais divertidos da minha vida! Recordo que naquele dia, fomos tratar de um assunto administrativo na secretaria. Reparamos num reboliço que havia no hall de entrada cheio de "doutores" devidamente trajados mas longe de adivinhar o que se iria passar, entramos normalmente. De repente, um grupo movimenta-se ao nosso encontro e em uníssono e bem alto dizem:" caloiras!!!!!" Minha amiga fica nervosa e começa a balbuciar que não o era sem conseguir de todo convencer o grupo. Enquanto a "raptam" de mim e a levam, outro "doutor" olha para mim e diz:" Tu também és!" Serena, olho-o nos olhos e digo:"Não! Sou do 2º ano!! Queres ver meu cartão?" Perante tanta firmeza, deixou-me e foi ter com o restante grupo que estava já a "tratar" da minha colega. Enquanto a carimbavam no rosto com palavras simpáticas do género " burro" entre outras, eu olhava para ela e pensava:" Bem, se vim com ela e ela vai ser praxada, o melhor é ser solidária e acompanha-la..." E assim foi. De repente virei-me para o grupo e disse calmamente:"Eu também sou!" Num rompante a sala encheu-se de euforia só para me carimbar também!!!

Saímos com camisolas da Instituição, orelhas de burro na cabeça e cara toda pintada com carimbos e bigodes. Colocaram-nos aos pares e em fila todos agarrados com latas no pés. Era a latada dos caloiros! Desfilamos pelo centro da cidade enquanto cantávamos a canção que nos era destinada. Não me lembro da letra, mas a música era ao estilo da tropa e nessa época havia um anúncio de tintas idêntico. E eu, no fundo da fila, em vez de cantar a original, a dado momento lá estava eu a trocar tudo e cantava a do anúncio, assim:"Stucomate é 1 grande tinta, Stucomate é Robbialac..." Vinha mesmo a propósito de tanta tinta que tínhamos na cara, mas o "doutor" ao meu lado, a controlar-se para não se rir, mandava-me calar dizendo:" Caloiro, canta como deve de ser!" Parava, mas dali a poucos minutos lá estava eu a trocar tudo de novo... Como castigo, deu-me um frasco fedorento para segurar  enquanto caminhava. Quando viu que eu estava a "perfumar" o passeio com ele, retirou-me logo das mãos divertido. É que a poção era preciosa e fazia talvez falta para outras coisas. Dali fomos para o fontanário proceder ao nosso baptismo. Com uma colher de pau enorme, derramavam água sobre as cabeças oficializando assim a nossa entrada no ensino superior. 

Nunca se constou que ali os responsáveis pelas praxes tivessem praticado algum abuso. E nesse tempo também nunca ouvira falar de praxes violentas fosse onde fosse. Estes excessos poderão ter nascido de uma geração que também ela mudou muito. Não sei. Porém, duma coisa não duvido: algo tem de mudar rapidamente. Ou se elimina por completo, ou se cria um modelo de praxe aceitável e se transpõe isso em decreto-lei obrigando ao seu cumprimento dentro daqueles parâmetros, sob a responsabilidade das reitorias de fiscalizarem todo o processo.  

O que não se pode é ser dúbios nesta matéria porque nada repara uma perda humana. Seis mortes num dia foi a gota de água que faltava para transbordar  copo.  

2 comentários:

  1. A verdade tem que vir à tona....há muitas coisas por esclarecer.... 6 vidas se perderam num só dia, os pais têm o direito de saber como e porquê...só assim poderão fazer o seu luto.

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