Em criança sonhava ser artista. Dançar, cantar e representar estava-me na alma e fazia-o com paixão. Porém a timidez prendia-me os passos. Enfrentar um público amedrontava-me por isso era no meu quarto onde tudo acontecia, onde me transcendia e dava actuações ao meu pequeno público sempre fiel: os meus peluches... Ali os espectáculos eram sempre um êxito e sem receios. Na ausência dos meus pais, o palco crescia por toda a casa, improvisava cenários, ensaiava canções da diva da época que eu idolatrava. Por insistência minha, meu pai comprou-me o meu primeiro aparelho de música portátil. Ainda o tenho. Grande relíquia! Sempre que olho para ele recuo no tempo recordando milhares de horas tocando as mesmas cassettes, que de tanto uso, enrolou-as e eu cirurgicamente retirava a fita para não as danificar... Ainda as tenho e apesar dos anos, continuo a saber as letras de cor sem tropeçar.
Não passei despercebida à minha professora que fazia questão em incluir-me em todas as festas da escola. Desde peças de teatro a canções ou coreografias, as palmas e o entusiasmo de uma escola inteira que assistia às actuações, eram momentos inesquecíveis que guardo até hoje.
Na altura de decidir o que queria da vida, perdi-me. E apesar das vocações cá dentro falarem alto, acabei por seguir caminhos que nem eu mesma entendo. Encurtei a minha juventude e deixei-me levar pela corrente. Muitos anos mais tarde percebo que andei por todo o lado menos por onde verdadeiramente queria. Percebi que há sonhos com prazo. Que não é verdade que estamos sempre a tempo de segui-los, de os retomar. Mentira! Alguns sonhos, assim que os sentimos cá dentro devemos agarra-los logo, lutar por eles porque muitos deles têm prazos. Porque muitos deles só nos vão permitir segui-los se tivermos a idade certa, e não vale a pena contestar. É assim a vida. As pessoas ficam fora de prazo cedo e cedo com elas os sonhos de uma vida. Deixar escapar esse tempo precioso é matar dentro de nós algo que nunca chegaremos a saber como teria sido se tivessemos insistido. Se tivessemos tido a luz de agarrá-los na hora.