A notícia chegou arrasadora: meu pai estava com uma demência. Não nos souberam dizer há quanto tempo já andava doente nem tão pouco o tempo que iria permanecer ainda connosco, sabíamos sim, que a doença era progressiva e degenerativa até perder completamente a autonomia. Lembro-me de perguntar ao médico, já conformada, se pelo menos nos iria reconhecer até ao fim. Disse-me que sim, mas o certo é que, raro é o dia em que não tenho de me apresentar, sempre que pergunta, assim que me vê, com um sorriso rasgado no rosto: "Quem és tu? Sou eu pai, a tua filha..." Perdi o meu pai em vida e tão cedo. Desapareceu o contador de histórias, carregadas de humor que nos cativavam durante horas. Acabaram-se as longas conversas sobre tudo e nada que faziam dele uma companhia magnífica. Já não há debates de opiniões sobre política ou economia do país. Agora há silêncios profundos de alguém que vive num mundo à parte.
O meu pai foi uma figura notável. O mais velho de sete irmãos, foi o único com apenas a primária, a tornar-se empresário de sucesso. Dono de uma inteligência acima da média, sem nunca ter estudado engenharia, projectou e criou máquinas industriais. Criou e dirigiu um império a partir do nada ao qual dedicou a sua curta vida de empresário. Admirado por uns, invejado por outros, nunca perdeu a humildade e era generoso com todos. De todos os cenários possíveis nunca o imaginei um dia a ter de abdicar do que mais amava rendido a uma doença que lhe devorava as faculdades... Mas foi assim. Rápido e inesperado.
Percebi com isto que caminhamos nesta vida completamente cegos sem saber para onde ela nos leva. De que não vale a pena fazer planos a longo prazo. Viver o momento e precaver o dia seguinte é o máximo que podemos projectar. Porque a vida é um mistério e nenhum de nós sabe onde estará no amanhã. Por isso, viver intensamente cada dia é viver com a certeza que se o amanhã não chegar, pelo menos não deixamos nada por viver.
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