sexta-feira, 22 de junho de 2012

CONTA-ME UM CONTO: POBREZA ESCONDIDA

Sentada no carro, enquanto esperava a porta abrir, as lágrimas corriam-lhe no rosto ao olhar para a fila de espera. "Que estou eu a fazer aqui?" - perguntava a si própria incrédula com o que estava a viver. Uma tempestade de sentimentos invadem-na paralisando os movimentos... por momentos.  Em segundos, recorda uma vida em que tudo era tão diferente, em que nada faltava. Dos planos para uma vida que falharam, das promessas que não foi capaz de cumprir. Que destino era este que horas dava tudo, noutras, nada. Já não era a primeira vez que a adversidade se cruzava no seu caminho. Devia estar acostumada de tantas pedras cortantes pisadas por estradas sem fim, e depois de imaginar que nada mais podia acontecer, está ali, na fila da caridade. 

A porta abre-se. De cabeça baixa ela rezava baixinho para que ninguém conhecido estivesse ali. Rita faz de tudo para não cruzar o olhar com ninguém, para não ser notada mas as roupas denunciam que não pertence ali. E os olhares fixam aquela mulher como que perguntando: "Que aconteceu a tão distinta senhora?". Os minutos demoram demais a passar. Minutos é tempo demais para quem se quer esconder. 

Finalmente é chamada para buscar o cabaz. "Trás sacos?" - pergunta a técnica da instituição. "Não. Não sabia que tinha de trazer... desculpe... nunca estive nisto" - responde Rita com as lágrimas suspensas quase a cair de novo.  "Não faz mal. Venha comigo". Numa sala improvisada, Rita vai respondendo ás perguntas com voz e mãos trémulas. Não consegue esconder a emoção quando lhe perguntam porque está ali. Nem ela sabe, nem ela entende e por entre soluços explica a dor duma pobreza escondida.  De uma vida que outrora doava  alimentos e roupas, e que hoje desespera por uma ajuda.  "Tenha calma" - diz a técnica ao vê-la tão perturbada. " Já vai embora. Estão ali os seus sacos".

E a passo apressado, com a chuva a cair intensamente sobre o rosto molhado de lágrimas, Rita afasta-se daquele local, caminhando, de mãos carregadas, pelo passeio, rogando aos deuses para não ter mais  de lá voltar...

 

Sem comentários:

Enviar um comentário