sábado, 29 de dezembro de 2012

A METADE DA LARANJA

Quando andava no liceu havia um casalinho de namorados que eu não parava de observar. Havia algo de diferente ali que eu admirava. Chegavam todos os dias juntos e não se largavam. Sempre a conversar de mãos dadas numa cumplicidade que não passava despercebida. Eram sobretudo amigos, muito amigos... E o tempo foi passando e já fora do liceu continuei a vê-los, do mesmo jeito em passeios pelas ruas da cidade. Soube que estão casados já há 29 anos sem contar os anos que namoraram... 

Que segredos estão por trás de um relacionamento assim? Nenhum. Eles não se entendem perfeitamente porque ela é mais dedicada que outras mulheres ou porque ele é mais carinhoso que outros homens. Eles entendem-se na perfeição porque pertencem à ínfima percentagem daqueles que , numa vida, conseguem encontrar a outra metade da laranja.  É errado pensar que as nossas relações não resultam porque não soubemos dar o suficiente de nós ou porque fizemos algo errado. As relações quando não resultam é simplesmente porque do outro lado não estava a pessoa com o encaixe perfeito no nosso ser imperfeito.

Por isso, muitos relacionamentos, são sempre conflituosos mesmo que exista amor. Poderão persistir e durar na eternidade mas exigirão esforço, sacrifício e dor enquanto que outros não terão de abdicar de nada para serem felizes, bastando apenas serem eles próprios. Quando encontramos a outra metade não faz falta nada: amamos as qualidades, rimos dos defeitos e o conjunto parece-nos encantador.

Se tem de investir muito de si na sua relação para ela resultar e mesmo assim nem sempre funciona, sorria... ainda vai a tempo de encontrar a sua metade da laranja.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

DIÁRIO DE UMA MEMÓRIA PERDIDA - A CHAVE




As coisas vão  mudando depressa. Tão depressa que quando dou por mim sinto que o perco a cada dia a uma velocidade galopante. É assustador. Hoje queria uma chave. A chave que lhe permitia abrir o portão e simplesmente sair. Já há muito tempo que ele vive prisioneiro da doença não podendo livremente ausentar-se nem que seja para ir até ao café mais perto. Sabe ir mas não sabe depois voltar e perde-se. O medo tomou conta de nós e por amor tomamos-lhe a liberdade. Arrancamos um dos maiores privilégios de quem é são: ser livre. Ele sofre pela clausura e pede-me para o ajudar. 

Fui surpreendida em casa por ele. Estava à minha procura para ter uma aliada num esquema de fuga que ele tinha montado e já estudado diversas vezes. Vinha para me contar o plano e po-lo em prática. A estratégia era simples: eu fingia que ia com ele ao café, pedíamos a chave à minha mãe para sair e fazíamos uma cópia. Ao explicar-lhe que isso não seria possível porque a mãe iria zangar-se comigo, vem-lhe outra ideia: "Já sei. Falas com teu marido e aí já ela não te pode por as culpas!!". Expliquei-lhe como se faz a um menino que mesmo assim ela me culpabilizaria a mim porque ela iria perceber que tinha sido eu a dar a chave a ele... Ele fica a pensar uns minutos na forma de contornar este problema e diz todo orgulhoso: "Tenho uma ideia. Pedimos a um estranho qualquer para nos fazer esse favor. Ele faz a chave, eu pago-lhe e ela não fica sequer a saber que temos uma chave! E assim saímos sempre que quisermos e ela não sabe".  Tinha um ar triunfante no rosto sem perceber que nada daquilo fazia sentido. Olho para ele com ternura, como se olha para alguém indefeso e frágil, e com carinho combino que vou pensar na proposta e que depois veríamos juntos uma solução. Contenho a  emoção impedindo que ele veja as lágrimas que entretanto teimavam em cair vendo-o partir pelo jardim até sua casa. Como se explica a alguém que se ama que temos de lhe castrar a liberdade para sempre porque o amamos e não queremos que nada de mal lhe aconteça?



sexta-feira, 29 de junho de 2012

SONHOS COM PRAZO


Em criança sonhava ser artista. Dançar, cantar e representar estava-me na alma e fazia-o com paixão. Porém a timidez prendia-me os passos. Enfrentar um público amedrontava-me por isso era no meu quarto onde tudo acontecia, onde me transcendia e dava actuações ao meu pequeno público sempre fiel: os meus peluches... Ali os espectáculos eram sempre um êxito e sem receios. Na ausência dos meus pais, o palco crescia por toda a casa, improvisava cenários, ensaiava canções da diva da época que eu idolatrava. Por insistência minha, meu pai comprou-me o meu primeiro aparelho de música portátil. Ainda o tenho. Grande relíquia! Sempre que olho para ele recuo no tempo recordando milhares de horas tocando as mesmas cassettes, que de tanto uso, enrolou-as e eu cirurgicamente retirava a fita para não as danificar... Ainda as tenho e apesar dos anos, continuo a saber as letras de cor sem tropeçar. 

Não passei despercebida à minha professora que fazia questão em incluir-me em todas as festas da escola. Desde peças de teatro a canções ou coreografias, as palmas e o entusiasmo de uma escola inteira que assistia às actuações, eram momentos inesquecíveis que guardo até hoje.  

Na altura de decidir o que queria da vida, perdi-me. E apesar das vocações cá dentro falarem alto, acabei por seguir caminhos que nem eu mesma entendo. Encurtei a minha juventude e deixei-me levar pela corrente. Muitos anos mais tarde percebo que andei por todo o lado menos por onde verdadeiramente queria. Percebi que há sonhos com prazo. Que não é verdade que estamos sempre a tempo de segui-los, de os retomar. Mentira! Alguns sonhos, assim que os sentimos cá dentro devemos agarra-los logo, lutar por eles porque muitos deles têm prazos. Porque  muitos deles só nos vão permitir segui-los  se tivermos a idade certa, e não vale a pena contestar. É assim a vida. As pessoas ficam fora de prazo cedo e cedo com elas os sonhos de uma vida.  Deixar escapar esse tempo precioso é matar dentro de nós algo que nunca chegaremos a saber como teria sido se tivessemos insistido. Se tivessemos tido a luz de agarrá-los na hora.





 



terça-feira, 26 de junho de 2012

O TEMPO DOS SLOWS



Naquele tempo era assim... Esperávamos ansiosos pelo momento em que a música ritmada parasse para dar lugar aos slows. Era o tempo do disco e  das roupas coloridas. Não havia uma única matiné que não passasse Michael Jackson ou Boney M. Era o frenesim dos anos 80.    

Nas discotecas dançava-se mas era sobretudo onde se esperava encontrar um par. Com as melhores fatiotas, deslocávamo-nos em grupos de 3 ou 4 amigas e dávamos lá uma escapadinha. Era preciso fazê-lo com sabedoria porque meninas de família não iam para essas bandas. As mais velhas combinavam as boleias que nos levavam escondidas até à disco menos popular da zona, não fosse alguém conhecido dos pais aparecer por lá... Moonligth era a mais próxima e "segura". Nada de frequentar Luziamar ou Sereia da Gelfa, as discotecas top daquela época.  Era difícil resistir a essa tentação sobretudo quando no liceu todas as amigas da turma falavam e descreviam o lugar como o melhor quer na música que passava, quer a magnificência da pista, quer pelos rapazes que lá paravam. Mas isso não era para mim e eu sabia-o. Ouvia meu pai todos os fins de semana a avisar-me que se me apanhasse num local daqueles, me prenderia à casa... 

Naquele tempo como ainda hoje, a dança e a música eram uma paixão. Sentia um fascínio por aqueles locais cheios de luzes mas sobretudo cheios de  recantos onde se podia namorar como nos filmes, longe do olhar da vizinhas que solenemente eram fieis aos meus pais e "zelavam" pela minha pureza. O ponto alto da matiné eram sempre os slows. Quando a batida parava para dar lugar às baladas, sabíamos que alguém nos viria buscar, ansiando que fosse aquele a quem lançamos um sorriso tímido enquanto dançávamos...   Coladinhos um ao outro, envolvidos pela música, era ali que tudo começava durante vários slows ininterruptamente...   O aperto do corpo denunciava a vontade de namorar ao que íamos respondendo cedendo aos beijos do nosso novo pretendente. Era o momento mágico onde durante quase 20 minutos nos esquecíamos dos que nos rodeavam. 

Assim era o tempo dos slows...


sexta-feira, 22 de junho de 2012

CONTA-ME UM CONTO: POBREZA ESCONDIDA

Sentada no carro, enquanto esperava a porta abrir, as lágrimas corriam-lhe no rosto ao olhar para a fila de espera. "Que estou eu a fazer aqui?" - perguntava a si própria incrédula com o que estava a viver. Uma tempestade de sentimentos invadem-na paralisando os movimentos... por momentos.  Em segundos, recorda uma vida em que tudo era tão diferente, em que nada faltava. Dos planos para uma vida que falharam, das promessas que não foi capaz de cumprir. Que destino era este que horas dava tudo, noutras, nada. Já não era a primeira vez que a adversidade se cruzava no seu caminho. Devia estar acostumada de tantas pedras cortantes pisadas por estradas sem fim, e depois de imaginar que nada mais podia acontecer, está ali, na fila da caridade. 

A porta abre-se. De cabeça baixa ela rezava baixinho para que ninguém conhecido estivesse ali. Rita faz de tudo para não cruzar o olhar com ninguém, para não ser notada mas as roupas denunciam que não pertence ali. E os olhares fixam aquela mulher como que perguntando: "Que aconteceu a tão distinta senhora?". Os minutos demoram demais a passar. Minutos é tempo demais para quem se quer esconder. 

Finalmente é chamada para buscar o cabaz. "Trás sacos?" - pergunta a técnica da instituição. "Não. Não sabia que tinha de trazer... desculpe... nunca estive nisto" - responde Rita com as lágrimas suspensas quase a cair de novo.  "Não faz mal. Venha comigo". Numa sala improvisada, Rita vai respondendo ás perguntas com voz e mãos trémulas. Não consegue esconder a emoção quando lhe perguntam porque está ali. Nem ela sabe, nem ela entende e por entre soluços explica a dor duma pobreza escondida.  De uma vida que outrora doava  alimentos e roupas, e que hoje desespera por uma ajuda.  "Tenha calma" - diz a técnica ao vê-la tão perturbada. " Já vai embora. Estão ali os seus sacos".

E a passo apressado, com a chuva a cair intensamente sobre o rosto molhado de lágrimas, Rita afasta-se daquele local, caminhando, de mãos carregadas, pelo passeio, rogando aos deuses para não ter mais  de lá voltar...

 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

OS PEQUENOS DITADORES

Não vale a pena fingirmos que agora, com mais instrução, mais profissionais especializados, com mais e melhores escolas, tudo na educação melhorou. Compreendo esses profissionais que assim querem fazer entender porque há de facto que demonstrar ao Mundo que eles fazem falta. Mas se assim é, expliquem-me o que se passa com as nossas crianças do século XXI. 

Quando eu era criança e já lá vão mais de 40 anos bastava o olhar reprovador do pai ou da mãe para que nem ousássemos abrir a boca para retorquir sobre o sermão que acabara de ouvir. Na escola os professores não precisavam de linha SOS para se protegerem contra a violência estudantil. As crianças eram crianças e como tal rebeldes e traquinas. Não nasciam criadas e educadas mas tinham uma linha condutora dentro delas que as levavam a ter determinada conduta: a educação. Não haviam psicólogos nas escolas nem tão pouco os pais eram formados em ciências educacionais, mas os pais e professores transmitiam os valores e saberes adquiridos ao longo de gerações e que se perderam. 

Perderam-se porque a dado momento entendeu-se que quem percebia de educação eram os psicólogos, dando-lhes todos os créditos sobre as novas pedagogias. E assim nasceu o fim das palmadas, o fim da autoridade, em casa e na escola, o fim dos castigos, o fim de tudo o que é importante na educação infantil. Passou a ser crime usar a autoridade em vez da repreensão. Incutiu-se nos pais o sentimento que um bom educador não dá palmadas nos filhos mas dialoga e leva-o a fazer o que ele quer sem gritos nem palmadas. Os pais, ao verem-se incapazes de obter resultados com estas pedagogias modernas, ficam deprimidos e frustrados compensando esse sentimento dando-lhes tudo o que pedem por acharem que assim terão crianças mais felizes e obedientes. 

Retirou-se autoridade aos pais e aos professores e criou-se a geração de pequenos ditadores.  Agora são eles que mandam. Logo aos 2 anitos, choram e berram, em todo o lado sempre que ouvem a palavra "não" até esgotarem a paciência dos pobres pais que perante tal filme público, acabam por ceder por medo de simplesmente dar uma palmadinha de amor. Vão crescendo assim  até se tornarem adolescentes, e sem regras nem autoridade, já mais crescidos, ameaçam com violência caso não vejam seus pedidos atendidos. Com a mesma atitude, chegam à escola onde sabem que são intocáveis.     

Há supostas evoluções que não são evoluções e é preciso ser corajoso e saber admitir que erramos. E o Mundo de hoje errou muito em matéria de valores e educação. É certo que em tempos passados cometeram-se excessos com pais ditadores mas evoluir é mesmo isso: retirar o que está mal mas manter o que está correcto. Os psicólogos e pedagogos que me perdoem mas não souberam encontrar o equilíbrio e transformaram as nossas crianças na geração de pequenos ditadores.

E os resultados estão à vista: nunca houve tanta violência nos lares, nas escolas, nas ruas e sobre idosos. O respeito pela condição Humana desapareceu. 

Na educação dos nossos filhos há coisas que fazem  falta na dose certa: autoridade, regras, castigos, palmadas. Outras em grandes doses: amor, afecto, diálogo, compreensão e cumplicidade. Todas fazem falta e eliminar umas para só fazer prevalecer as outras  não serve de nada. Só com a combinação das duas é que teremos um dia, melhores Homens amanhã.


terça-feira, 19 de junho de 2012

O RAPAZ DO LICEU




Era uma histeria quando ele passava. Elas alinhavam-se para o ver entrar à  porta do liceu todos os dias à espera que ele desse um sinal, nem que fosse um ligeiro olhar na direcção delas. Na minha turma onde reinavam as mulheres não se falava noutra coisa. Elas já sabiam o horário em que ele poderia estar no bar para o interceptar. Mas eu nunca o vira nem fazia ideia de quem fosse. Sabia, de as ouvir falar, que tinha olhos verdes e cachos pretos, que era grande e espadaúdo, mais nada.  Divertia-me a vê-las disputar a atenção do rapaz mais bonito do liceu e claro, nem me atrevia a concorrer ao lugar. Se ele mal virava o olhar para elas, tão formosas, cheias de curvas com roupinhas tão sexys era impossível reparar em mim. Pelo menos era o que eu pensava. Eu era o arquétipo do oposto do meu grupo de amigas: era plana, quer pela frente quer pelo verso, magricela, não largava os tênis, jeans e blusão! No rosto dava apenas destaque aos olhos que por serem pequeninos não dispensava lápis e rímel para os realçar!

Conseguiram que ele acedesse ao convite de ir todos dias até ao café Moderno, o café onde havia um cantinho destinado aos estudantes. O curioso foi ver que ao fim de uma semana de convívios, ele não tirava os olhos de mim. A princípio perplexa, o certo é que comecei a assimilar a ideia de que era possível alguém tão imaculado interessar-se por uma rapariguita como eu... Até porque, pese embora o facto de fisicamente não ser abonada, sabia que era popular socialmente falando... E porque não me preocupava em ser isto ou aquilo, era eu mesma e permitia-me  dizer e fazer coisas sem medo de desagradar fosse quem fosse. Na verdade, partia sempre do princípio que não conseguia agradar, logo, pouco me preocupava em agradar, lógico não? Mas era precisamente aí que eu me tornava diferente. Talvez por isso, não sei, foi a mim que ele escolheu para namorar e quando apareci no liceu como namorada oficial nunca mais pude contar a com a amizade das outras. Viram nisso uma traição e dispensaram-me do grupo!

O meu namoro não durou mais do que 15 dias certinhos. Esgotada a novidade dos beijos e abraços constantes, os longos silêncios dele e monólogos meus deram lugar a um tédio tão grande que me sufocava. Ele nunca tinha nada para contar e eu falava sozinha... Ele queria amassos, eu queria conversas. Quando lhe comuniquei que queria terminar a relação, ele nem queria acreditar. Afinal, não era ele o homem mais atraente do liceu, o mais disputado pelas raparigas? Era. Mas eu não o queria mais. Uma seca.

Foi assim que aprendi aos 16 anos que o melhor de alguém está dentro de si. Que aquilo que aparentamos por fora não prende senão por momentos e que simplesmente existir não faz de nós seres extraordinários. Sermos ricos por dentro de valores, de virtudes, de conhecimentos é o que nos torna interessantes aos olhos dos outros, mantêm a chama e dá-nos vontade de permanecer junto.





segunda-feira, 18 de junho de 2012

A JÓIA DE FAMÍLIA

Falida, com um passivo grande, 1 pavilhão minúsculo tapado com algumas chapas de zinco, uma máquina amovível que andava pela pista e um anexo que fazia de escritório, eis o retrato da empresa adquirida pelo meu pai em 1980. Era preciso ser-se muito determinado e corajoso para acreditar neste projecto e levá-lo em diante.  Mas o meu pai era assim. Sem medo de correr atrás dos sonhos. 

Na década de 90, já com dívidas pagas, candidata-se a um apoio do IAPMEI e amplia as instalações, moderniza as máquinas e aumenta a frota de camiões. A empresa entrava assim numa nova era. Mas foi em 1993, quando após muita ponderação, deixei o ensino para abraçar o desafio de gerir ao lado do meu pai o negócio de família que a empresa se tornaria naquilo que foi até fechar e ser vendida. Criei uma nova imagem comercial, projectei-a para novos mercados, tornei-a mais competitiva com os melhores preços. O resultado fez disparar a facturação e tornou-se uma referência dentro daquele segmento, no distrito. E foi assim durante uma década até que, em 2002, os primeiros sinais de crise na construção civil começavam a aparecer... Primeiro com a invasão espanhola de produtos similares, depois com a nossa crise interna...  Apesar das quebras de 30 e 40%, com a mesma determinação de outros tempos, teríamos os dois conseguido mantê-la mesmo que para isso tivéssemos de reestruturá-la mas alguns sinais de cansaço e perturbação no meu pai indicavam que ele já não era o mesmo homem. Ninguém suspeitava que se tratava de doença e quando inesperadamente manifestou em 2004 a vontade de vender, ficamos atónitos! Essa decisão ficou no segredo dos deuses até à assinatura do contrato com os espanhois e quiçá por isso, movimentou invejas... Alguém não gostou de saber que ela tinha sido vendida por largos milhões... Outros, divertiam-se a apregoar a todo o pulmão que ela tinha sido vendida falida por mim levando  meu pai à desgraça. Sim porque, há muitas pessoas que nunca estão connosco, que não partilham nada da nossa vida, mas quando algo nos acontece, sabem mais dela que nós! Remetemo-nos ao silêncio deixando que essas vozes falassem até se cansarem. Porque há coisas que não merecem comentário, só desprezo. Na verdade sabíamos que essas pessoas precisavam de acreditar que meu pai tinha fracassado porque não suportavam sabê-lo o mais bem sucedido do todos os irmãos... 

Terminava assim um capítulo. A jóia da família foi vendida mas ficou o seu legado. Muitos anos de realização profissional e acima de tudo o prazer único de trabalhar ao lado de um grande homem a quem devo tudo o que sou e sei hoje: meu pai.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

OLÁ PAI... SOU EU...


A notícia chegou arrasadora: meu pai estava com uma demência. Não nos souberam dizer há quanto tempo já andava doente nem tão pouco o tempo que iria permanecer ainda connosco, sabíamos sim, que a doença era progressiva e degenerativa até perder completamente a autonomia. Lembro-me de perguntar ao médico, já conformada, se pelo menos nos iria reconhecer até ao fim. Disse-me que sim, mas o certo é que, raro é o dia em que não tenho de me apresentar, sempre que pergunta, assim que me vê, com um sorriso rasgado no rosto: "Quem és tu? Sou eu pai, a tua filha..." Perdi o meu pai em vida e tão cedo. Desapareceu o contador de histórias, carregadas de humor que nos cativavam durante horas. Acabaram-se as longas conversas sobre tudo e nada que faziam dele uma companhia magnífica. Já não há debates de opiniões sobre política ou economia do país. Agora há silêncios profundos de alguém que vive num mundo à parte. 

O meu pai foi uma figura notável. O mais velho de sete irmãos, foi o único com apenas a primária, a tornar-se empresário de sucesso. Dono de uma inteligência acima da média, sem nunca ter estudado engenharia, projectou e criou máquinas industriais. Criou e dirigiu um império a partir do nada ao qual dedicou a sua curta vida de empresário. Admirado por uns, invejado por outros, nunca perdeu a humildade e era generoso com todos. De todos os cenários possíveis nunca o imaginei um dia a ter de abdicar do que mais amava rendido a uma doença que lhe devorava as faculdades...    Mas foi assim. Rápido e inesperado.

Percebi com isto que caminhamos nesta vida completamente cegos sem saber para onde ela nos leva. De que não vale a pena fazer planos a longo prazo. Viver o momento e precaver o dia seguinte é o máximo que podemos projectar. Porque a vida é um mistério e nenhum de nós sabe onde estará no amanhã. Por isso, viver intensamente cada dia é viver com a certeza que se o amanhã não chegar, pelo menos não deixamos nada por viver.





terça-feira, 12 de junho de 2012

A PRIMOGÉNITA

Se eu fosse pintor seria uma obra naif, uma criação espontânea, sem escola, pincelada pelo instinto... Uma obra prima que me enche de orgulho e faz de mim uma artista inigualável.

Começou por ser o bebé mais lindo que se podia ter: lourinha, olhos cinza esverdeados, tez rosada e sorriso envolvente. E se é verdade que comecei essa obra sem vontade alguma, o certo é que não lhe resisti, e às primeiras pinceladas percebi o quanto era importante para mim. Era o meu prolongamento, a minha semente, o meu primeiro projecto de vida. Enquanto assistia ao crescimento desta nova paixão, uma mulher brotava da tela. O retrato quase perfeito de um ser maravilhoso. Não sei se é bela porque aos olhos de uma mãe, os filhos são sempre os mais lindos, mas nas qualidades humanas, aquelas que sentimos quando as têm, diria que das minhas mãos nasceu um "Picasso"... 

Sou vaidosa pela filha que tenho e não o escondo de ninguém. Exponho a minha obra sempre que me convidam a fazê-lo mas apenas nas melhores galerias do Mundo. Porque obras preciosas são para ser apreciadas por quem as entende.  Um Picasso não se discute com ignorantes. Personalidades incríveis precisam de outras à  sua semelhança para as apreciar e compreender. 

A minha primogénita  é o meu bem mais precioso. Foi a minha estreia na arte de conceber e foi com ela que aprendi que ser mãe é a melhor profissão do Mundo.

Amo-te muito filha.
 









sexta-feira, 8 de junho de 2012

O CASAMENTO

Queria falar sobre este tema e eis que vejo o artigo do Miguel Esteves Cardoso no "Público"... Artigo surpreendente... Se fosse a escrever pela minha mão seria tal e qual... sem mais uma vírgula, sem mais uma palavra. O casamento é de facto a terceira entidade que nasce ao mesmo tempo que o casal como se de um filho se tratasse, que precisa de ser alimentado, cuidado, acarinhado todos os dias. Que apesar dos sacrifícios, das dificuldades, das birras, da despesa, amamos cada vez mais e nunca nos arrependemos por dar tanto de nós. Que preferimos ter mesmo com tudo o que perdemos, do que não ter e perdermos tudo o que poderíamos ter com ele... 

Eu não me imagino de outra maneira. Tenho dias bons, dias muito bons, outros nem por isso e muitos maus também. Somos igual a tantos outros que brigam por aquilo que querem e acreditam, que nem sempre seguem na mesma direcção, que por vezes erram por egoísmo, que se esquecem de cuidar do outro e gritam porque estão mal dispostos. Somos genuínos e mostrámos-nos tal qual somos, logo não temos medo de discutir, de nos expor ás fraquezas, de chorar na frente do outro. Temos medo sim de nos calarmos, dos silêncios que falam alto e que tentamos matar todos os dias. Porque a paz e sossego no lar só existe onde existem casamentos infelizes.  

Somos licor e vinho. Um ferro outro aço.  Idênticos sem ser iguais. E se é verdade que os opostos se atraem, no nosso caso diríamos que os semelhantes se completam... e são esses mais felizes no casamento. Porque não acredito que ser o oposto de alguém leve a algum lugar. Caminhar juntos tem obrigatoriamente que ser com alguém que se assemelhe a nós no que é essencial para ser diferente noutros que nos completam...   

Já lá vão 12 anos e apesar da nossa vida ter sido uma montanha russa, continuo como no primeiro dia intensamente apaixonada. Não me arrependo em nenhum momento de ter cuidado deste "filho" e tenho a certeza que é aqui que quero permanecer. Briguei e chorei muito mas também ri-me e diverti-me mais ainda... Não há pesos nem medidas certas para a fórmula de um casamento feliz. Há sim  um amor incondicional que vai muito além da beleza física, que transcende tudo, que não tem dimensão e que muito menos se explica... apenas se sente. 

Assim é o meu casamento. 

 

terça-feira, 5 de junho de 2012

KARMA OU DESTINO?

Há quem defenda que a vida de cada um é o resultado das opções tomadas. Do empenho, motivação e trabalho contido ao longo dessa caminhada. Não concordo. A vida é muito mais complexa para se definir de forma tão simplista a razão de uns serem mais afortunados que outros...

Não sei se é karma ou destino mas o certo é que algo que nos transcende caminha ao nosso lado determinando cada passo do nosso percurso, silenciosamente, sem que nos apercebamos, para um dia inesperadamente fazer uma viragem gigantesca nos nossos planos. Duas pessoas com o mesmo grau de motivação, com o mesmo empenho, trabalho e persistência e com os mesmos objectivos começam ao mesmo tempo o seu percurso: um vai pelo caminho da direita, outro pela esquerda. Vão lutar com a mesma garra,  a mesma força e ambos são muito bons naquilo que fazem,  mas o que cada um vai encontrar no seu percurso, os desafios, as oportunidades, as pessoas, as adversidades  não será fruto das decisões deles mas do algo maior.  Um sairá rico, outro não passará da mediania... Se tudo na vida dependesse de nós, ambos sairiam com os mesmos resultados. Mas a vida não é uma ciência exacta. O factor da imprevisibilidade contraria tudo o que damos por certo...  Ninguém se levanta pela manhã e toma a decisão de ser atropelado ou de contrair uma doença.  

Acredito que todos temos uma estrelinha que nos guia. Porém umas brilham mais que outras... Por isso não temos vidas iguais e por muito que nos esforcemos para ser como este ou aquele, independentemente da motivação, o factor sorte terá de estar ao nosso lado para que o "click" aconteça.    

segunda-feira, 4 de junho de 2012

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE


Já não se vê amores assim... E se os há são tão poucos que quando aparecem as pessoas param para os ver como se de algo inédito se tratasse. A sociedade mudou e o consumismo "fast food" passou para o amor. Queremos tudo rápido, muito bom e de preferência sem contra-indicações. Falamos o tempo todo desse sentimento tão nobre sem saber ao certo do que se trata. Confundimos com paixão, com tesão e logo se não nos fizer mais explodir por dentro achamos que deixou de existir se é que alguma vez existiu...

O amor, ao contrário da paixão, não é químico, não surge do nada. Aprende-se a amar depois de nos apaixonarmos. É o sentimento que se segue e nunca ao contrário. Amar é gostar dos defeitos tanto quanto as qualidades e saber rir deles. Amar é continuar a gostar  com rugas,  flacidez e pneuzinho. Amar é   estar do lado do outro quer no sucesso quer na derrota... É resistir à doença e à pobreza... É continuar a ver com os mesmos olhos depois das lágrimas... É resistir aos ventos e marés mesmo com o barco a afundar...   

É difícil, muito difícil amar. Implica sofrimento, dor, resistência e sabedoria... Obriga a sentimentos que mais ninguém quer ter porque instituiu-se que amor é só prazer. Mas amor assim, só as amantes o conseguem dar porque onde há partilha há desencontros que levam por vezes a muitas lágrimas para depois vir a bênção do perdão, do abraço sincero, do "amo-te... sei que errei. Perdoa."  

Não sei se chego lá mas uma coisa tenho a certeza, já sou uma resistente. O tempo dirá agora se terei uma história de amor assim para contar aos meus netos. 

quinta-feira, 31 de maio de 2012

SER OU NÃO SER BEM SUCEDIDO

Quantos de nós não se sente pressionado para ser bem sucedido. Todos os dias ouvimos alguém falar do sucesso deste ou daquele indivíduo avaliado pelo salário milionário que ganha, pelo lamborguini em que se passeia, pela mansão que conseguiu tinha ainda pouca idade... O grau de sucesso é resumido ao que se ostenta, àquilo que o dinheiro pode comprar. Fica no ar a ideia de que quem não atinge colossais objectivos financeiros na vida... é inevitavelmente mal sucedido. E este sentimento intenso é tão perturbador que passa dos pais para os filhos. É vê-los ainda pequenitos a aspirar ser como aquele ídolo que ganha milhões para também ele ter milhões um dia...   E os progenitores ao ouvi-los, logo tentam muito cedo encaminhá-los para as passerelles ou clubes de futebol na esperança de um dia poderem ser um deles em vez de os ensinar que, ser bem sucedido na vida não é de todo isso...

Podemos ser excepcionalmente dotados profissionalmente e até com isso ficar milionários mas o verdadeiro sucesso avalia-se pelo que deixamos nos nossos filhos, de valores, princípios e amor ao próximo;  nas pessoas que ajudamos a ter uma vida melhor; nas crianças que tiramos da rua; nos velhos que cuidamos para não morrerem sós.   Ser bem sucedido na vida é deixar sementes de "nós" na sociedade que depois de partirmos contribuirão para um Mundo melhor...

Ser ou não ser um profissional extraordinário não faz de nós um ser excepcional, logo muito menos um indivíduo bem sucedido.  Não importa o salário que auferimos, não importa se temos ou não carro ou casa, importa sim o que somos capaz de fazer por um mundo melhor, o que partilhamos todos os dias de nós com os outros. 

Quando o sucesso passa apenas pela profissão é vê-los completamente absorvidos e dominados pelo trabalho sem espaço para mais nada a não ser eles próprios. Ficará sem dúvida um legado... de carros, de contas bancárias, de casas... para os familiares. Serão lembrados sim mas por feitos que não acrescentam nada à vida de todos nós...

Agora, ao invés de se sentir infeliz por achar que não é ainda bem sucedido, reavalie a sua vida, pense no que já conseguiu e naquilo que ainda pode fazer para ser um indivíduo de sucesso. Provavelmente verá que já é um ser extraordinário e não se apercebeu...



quarta-feira, 9 de maio de 2012

OS FILHOS

Fui mãe duas vezes: a primeira aos 19, a segunda aos 39... Dois momentos tão distintos da vida que fazem com que vivamos de forma tão diferente cada uma delas.

Aos 19 era uma menina  que começava a dar os primeiros passos no mundo dos adultos. Cheia de medos e incertezas, com tantos projectos de vida a querer concretizar, a notícia de uma gravidez deixou-me deprimida. Estava a estudar e como tantas outras raparigas da minha idade, queria chegar longe... Dei por mim muitas vezes a pensar "como vou dar afecto, carinho e protecção a uma criança se preciso ainda tanto disso para mim... ainda...". E enquanto não se notava, tentava ignorar as transformações que iam dentro do meu corpo. Foi apenas quando comecei a sentir "alguém" a mexer que finalmente assumi o meu papel de mãe.

Já aos 39 e apesar de não planeado, a notícia de uma segunda gravidez foi um acontecimento mágico. A ideia de voltar a ser mãe nesta idade de volta às  rotinas dos biberões e fraldas deixava-me nervosa inicialmente... Porém, assim que na ecografia me anunciam que iria ter um rapaz, fiquei eufórica! Nunca desejei tanto como nesse dia ter imensos amigos para enviar sms... Limitei-me à família   e poucos ainda resistentes amigos para muita pena minha! O que eu queria mesmo era gritar a felicidade que ia dentro de mim. 

Não há dúvida alguma que ser mãe tardiamente é muito melhor seja para nós seja para o filho. Somos mais serenas e mais sábias. Conduzimos todo o processo de crescimento com uma calma e destreza que não possuímos aos 20 anos. Tudo se quer no seu tempo, nem cedo demais nem tarde demais... 

A maternidade foi sem dúvida o que de melhor soube fazer nesta vida e transformou-me na mulher que sou hoje. Com ela aprendi aquilo que só se sabe depois de ser mãe: compreender melhor que nunca os nossos pais e dar-lhes o devido valor pela tarefa nobre de nos criar e educar. 

Quando olho para os meus filhos sinto que viver já valeu a pena só por existirem. E é no sorriso e abraços deles que vejo todos os dias que ser mãe foi o que de melhor me aconteceu.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O DIVÓRCIO


 

Ninguém casa para se divorciar um dia. Pelo menos, não se pensa nisso. Fazemo-lo   acreditando que é para a vida toda... até que a morte nos separe...  A minha história não foi diferente de tantas outras: ainda menina com 17 anos apenas, apaixonei-me pelo homem mais velho, com sentido humor e sedutor. Por outro lado, uma educação severa e muito controladora tinha despertado em mim uma vontade quase asfixiante de me libertar da "ditadura dos pais" e voar sozinha... Foi assim, que aos 17 anos, na presença de um notário por ser menor, meus pais autorizaram o casamento.

Com aquela idade vivia ainda os contos de fadas e acreditava cegamente no amor eterno e nos casamentos de princesa. E tive um... Comprei o vestido branco, o bouquê de orquídeas e flores de laranjeira, a igreja decorada com centenas de flores, um coro para a marcha nupcial, o copo de água no local mais "in" da época com mais de 300 convidados, um album de fotografias com o mais conceituado fotógrafo da minha cidade com 100 fotografias ...  

Era suposto ser o início de uma linda história de amor... mas a caminho da lua de mel reparei na expressão grave que meu ainda "fresco" marido tinha no rosto. Não tinha idade para compreender nada. Chegados ao hotel onde passaríamos a nossa primeira noite de núpcias deparamo-nos com um quarto com duas camas e percebi que ele, na reserva, não tinha mencionado que éramos casal... Ele não mostrou qualquer desagrado e com ar muito natural começou a arrumar as malas. Era o prenúncio do que estava para vir...

A lua de mel estava prevista durar 15 dias mas ao fim de 11, ele sugere que venhamos embora por já estar aborrecido... 

Compreendi com o passar dos anos, e foram seis, que há pessoas que conseguem casar sem amor algum, apenas por interesses... no meu caso, financeiros.  Mas foi preciso, já grávida de sete meses da minha primogénita, vê-lo com outra mulher na penumbra do carro para começar a interiorizar que o melhor seria seguir outro caminho.

A decisão não veio logo. A maternidade trouxe-me problemas de consciência que tive de superar. A coragem veio e sem reflectir demasiado tomei a decisão que mudaria para sempre o rumo da minha vida: pedi o divórcio.

Ficaram para trás seis anos de desprezo, de gritarias, de violência psicológica, de ausência total de diálogos, de amor... Foi assim a minha vida de casada. 

Já lá vão 28 anos...


 

terça-feira, 3 de abril de 2012

A MINHA ADOLESCÊNCIA

Fui obrigada a crescer depressa e provavelmente por isso a palavra rebelde foi o que melhor me definiu nesta fase... De menina, com 5 anos apenas, já tomava conta sozinha de mim: levantar, ir para a escola, regressar a casa... tudo antes de a minha mãe chegar a casa por volta da meia noite. Era assim todos os dias. Via-a apenas na hora de almoço na cantina da escola onde ela trabalhava... Responsabilidades foi uma palavra que tive cedinho de assumir...

Cheguei à adolescência com vontade de me libertar, de fazer coisas... Queria entrar para o coro da igreja, mas não me deixaram. Queria entrar para a natação, mas não me deixaram. Queria divertir-me com minhas amigas em discotecas, mas não me deixaram. Queria ir a um simples café para conviver com amigos, mas não me deixaram... Não valia a pena perguntar porquê. Era não, porque não. Mas havia uma coisa para a qual eu estava autorizada: namorar mas... ao portão de casa! À velha moda antiga do tempo dos meus avós... Experimentei mas o tédio era tanto que passei a ficar em casa aos domingos a ver televisão para espanto da minha mãe que achava que isso era sinal de doença...

Fazer tudo ás escondidas foi a solução encontrada. Experimentei tudo: sair à noite com os pais a dormir, ir às discotecas mais "off"  escondida no banco traseiro do carro dos amigos, ir para o café em vez de ir para as aulas... 

Quando mais uma noite regressava, depois de uma noitada, ao meu quarto silenciosamente, vi meu pai na penumbra sentado na cama à minha espera. Percebi naquele momento que tudo mudaria a partir dali. Naquele tempo não era permitido a uma menina de boas famílias um escândalo daqueles. Tive de prometer que casaria com ele, o responsável pelas minhas ausências nocturnas. E na minha inocência, ao mesmo tempo que punha um ponto final numa adolescência que apenas começara, um alívio invadia-me pensando que assim nasceriam asas para voar para uma liberdade que me faltava... 

Não demorou muito para a vida me ensinar que a liberdade não se conquista assim...

  

sexta-feira, 30 de março de 2012

A MINHA INFÂNCIA



Não sei porquê mas agora que atingi quase meio século de vida, as memórias da infância preenchem o meu dia a dia com uma saudade imensa de uma época da vida, que eu achava infeliz quando a vivi e hoje percebo que foi sem dúvida a fase mais linda da minha vida.

Tenho saudades da minha meninice. Daquele tempo de inocência em que a palavra "problema" só surgia nos trabalhos de escola. Mas eu lamentava-me... por não ter irmãos com quem brincar, por não poder ter um cão para cuidar, por não ter ninguém a quem chamar tio ou primos, por ser discriminada na escola por ter um nome português, por ter os olhos rasgados... Mas sem dar por isso cresci feliz! 

Adorava a escola e era excelente aluna. Compensava assim o "bullying" que sofri. Sempre que havia teatro a professora seleccionava-me o que me aterrorizava. Mas uma vez no palco a timidez desaparecia e soltava-me encarnado os papeis com entusiasmo. Lembro-me das palmas, muitas palmas... Da satisfação do dever cumprido com distinção. 

Também não consegui passar despercebida no desporto e foram muitos os campeonatos de atletismo inter-escolares em que participei. Lembro-me do medo, muito medo em não conseguir. Os gritos em surdina de uma escola inteira a torcer por mim e calorosos abraços por um honroso terceiro lugar!

Brincava muito na rua coisa que já não se vê nas crianças de hoje. Não tinha playstation, não tinha computador mas brincava muito até o dia ser noite... Não me faltava imaginação para brincar fosse com amigos fosse sozinha. Se havia neve, fazia-se escorregadas por todo o lado, patinava-se nos quintais, construía-se bonecos. Se era verão, brincava-se com a mangueira, jogava-se ao elástico, badmigton ou bola! Se chovia ficava-se em casa a inventar cenários: um dia era "professora", noutro com o cano do aspirador na mão, era cantora, noutro a "mulher biónica" da série de televisão que não perdia...  A televisão era só de manhã para ver os desenhos animados...  Não havia  MEO com centenas de canais mas mesmo que houvesse, na minha infância tudo o que queríamos era brincar, correr, saltar... Por isso, não se falava em obesidade infantil, não havia crianças em terapias com psicólogos...  Éramos saudáveis  e isso via-se nas fotos de turma que ainda guardo com carinho. Não haviam miúdos obesos... 

Valorizava-se tudo o que nos rodeava: a natureza, os bichos... as pequenas coisas da vida. Não precisava-mos de muito porque muito não tínhamos. Mas éramos sem dúvida muito felizes...